quinta-feira, 19 de abril de 2012

Conversão - Via da Purificação e Via da Iluminação


A Conversão dos Bárbaros

A conversão, no cristianismo, é um processo que se dá com base principalmente na vontade; menos no intelecto, e menos ainda na emoção. Atualmente, entrentanto, prosperam grandes movimentos religiosos que valorizam excessivamente o sentimentalismo, criando e alimentando nos fiéis a ideia de que o “sentir-se bem” deve servir como principal parâmetro para decidir se aquele caminho religioso é autêntico. "Aqui está Deus, porque aqui eu me sinto bem!", é o pensamento dos frequentadores de tais movimentos. Acham que a oração ideal é aquela em que o sujeito chora, fica emocionado, sente um ardor no peito... As Missas e/ou cultos são excessivamente animados, com guitarras, bateria alta, gritos, bateção de palmas a todo momento... Tudo isso cria um estado de euforia, leva alegria aos corações, mas... Trata-se de uma alegria passageira. E a pessoa fica condicionada a querer sempre mais. Logo começa a pensar que numa celebração em que não aconteça todo aquele ardor festivo, Deus não está presente. Será?

Os grandes autores do cristianismo entenderam que a construção do cristão fiel passa por duas etapas distintas: primeiro, a Via da Purificação; depois, a Via da Iluminação.

O primeiro momento da Via da Purificação ocorre quando a alma encontra Deus: sente-se saciada e amada por Deus. Começa a reconhecer Deus como amigo, companheiro, o Deus que é Bom, que nos ama e salva. As orações são fervorosas, a alma sente-se “enamorada” de Deus.

Mas no segundo momento da Via da Purificação, a alma começa a perceber que na realidade ela continua com os mesmos defeitos que tinha antes de conhecer a Deus. É um momento difícil e delicado. O buscador percebe que luta e luta contra si mesmo, mas é ainda o mesmo ser humano pequeno e falho (a luta da carne contra o espírito, vista em Mc 14, 38; em todo o capítulo 7 da Epístola aos Romanos e outros textos bíblicos). A oração, então, perde fervor. A alma tem a impressão de que Deus não lhe responde. Surge um vazio. E é então que dois caminhos se abrem:

1º - A Purificação – a alma começa a aprender que, mesmo em Comunhão com Deus, ela continua somente humana, e continua fraca. Que tem que se entregar a Deus a cada dia, a cada instante, e que essa entrega basta. Entende que ser cristão é entregar-se, manso e humilde, diante do Criador. Não é preciso e de nada adianta buscar a emoção, as sensações sempre renovadas, o cantar alto, o chorar, o dançar o rir… É a silenciosa e simples Presença de Deus que lhe dá força. E essa pessoa que ama a Deus não somente no falar, mas em seu íntimo, prossegue, esquecendo de si própria. É um outro processo difícil: o da eliminação do amor próprio.

Importante dizer que eliminar o amor próprio, nesse caso, não quer dizer desprezar-se ou odiar a si mesmo, num sofrimento doentio, esquizofrênico e estéril. Eliminar o amor próprio é a pessoa "negar-se a si mesma", como disse Nosso Senhor (Mc 8, 34-35), no sentido de reconhecer-se pequena, incapaz de alcançar a salvação por seu próprio poder ou méritos. Quer dizer aceitar a própria incapacidade e render-se diante da Soberania Divina. Por nós mesmos, nada podemos fazer (Jo, 15, 5). É Deus que realiza em nós as grandes e pequenas coisas.

2º - A Queda – a alma não suporta mais o fato de que Deus não lhe responde. Não suporta que seja tão fraca. Começa a achar que exagerou na dose, que na realidade tudo não passou de um furor vazio, uma ilusão. A fé começa a se enfraquecer, cai nos vícios, a pessoa se perde do caminho da purificação, retomando sua vida anterior.

Mas, finalmente, aquele que vence a etapa da Via da Purificação começa a Via da Iluminação. A alma adquire maior consciência da Presença de Deus, começa a ver o Toque de Deus no dia-a-dia, a manifestação do Amor de Deus às suas criaturas, mesmo no sofrimento, mesmo nas dores e dificuldades... Começa a perceber e saber que Deus está sempre com ela. A alma tem o que se chama de “Presença de Deus”.

Mas a via da iluminação tem um risco: a alma está subindo importantes degraus de proximidade a Deus. E quanto maior a altura, maior a queda. A alma deve permanecer no seu caminho de encontro a Deus; o desafio nessa fase, porém, é superar o orgulho espiritual, isto é, achar-se melhor que as outras pessoas. Julgar-se especial, mais santo(a), mais sábio, mais iluminado... Corre o risco até de achar ridícula a manifestação de fé dos outros. A alma vive um egoísmo, uma soberba espiritual. Sabe que Deus está com ela; ama a Deus, mas tem dificuldade em amar as demais pessoas, porque enxerga seus erros e não os compreende. Quer que as coisas sejam do seu jeito, não aceita quem vive de outra forma. Esta é a etapa definitiva a ser vencida. Se o cristão conseguir superar mais este desafio, estará verdadeiramente próximo de Deus e de uma vida cristã abençoada, - o que não significa estar livre de todos os problemas e dificuldades desta vida e deste mundo, mas saber lidar com todas as situações de maneira serena e tranquila. A alegria não mais se dissipa, pois existe a consciência da permanente Presença de Deus em todos os momentos, mas é uma alegria calma, silenciosa, perene, refletida, prudente, sensata... Vemos esse tipo de comportamento, reflexo da autêntica Comunhão com Deus, nas vidas dos santos. É essa fé e essa consciência que conferem o amor, a coragem, a paciência e a persistência necessárias para ser cristão na prática.

Talvez as celebrações citadas no começo deste artigo, aquelas fundamentadas na emoção, coloquem os fiéis que delas participam no caminho da purificação. Naquele primeiro momento em que a pessoa "descobre Deus": é aquele momento muito feliz, alegre e agradável, após a conversão espiritual. É quando a pessoa começa a chegar perto de responder às grandes perguntas existenciais (Quem eu sou? De onde venho? Por que existo? Quem é Deus?).

Os movimentos pentecostais ou carismáticos alimentam esse clima de emoção… Com o tempo, porém, surge a inevitável crise de identidade espiritual no sujeito. Essa alegria inicial não pode durar para sempre, ao menos não no plano sensitivo, expansivo, e os grandes doutores da Igreja falaram sobre isso. E então, quando a pessoa começa a perceber que está “enfraquecendo” na fé (um sinal que serve para filtrar os que realmente amam a Deus daqueles que o buscam porque "sentem-se bem" nos templos ou para obter favores), se o esforço se concentrar somente em manter aquela emoção inicial... O risco de cair no abismo é grande.

É aí que o católico mal orientado abandona a Missa, abandona a Igreja, abandona a Deus. Sente como se tudo tivesse ficado no passado, quer resgatar a alegria, a euforia, não se conforma com o esfriamento dos sentidos... Muitos, nesse momento de fragilidade, acabam encontrando alguma seita "evangélica", e na ânsia por recuperar a sensação inicial da conversão, convertem-se para uma nova religião, e a partir daí continuam migrando de uma "igreja" para outra, sem nunca encontrar verdadeiramente o que busca.

A emoção, a euforia, a explosão do amor devoto... Tudo isso é natural no início da vida cristã, mas quando não se trabalha com a formação sólida e tenta-se "prender" a pessoa somente pela emoção, o que se está fazendo é abrir a porta para a perda da fé ou mudança de religião. Esse pretenso "carismatismo" forçado é algo que se situa fora da fé, fora da Verdade, fora da religião tal como Deus a criou. De que importa ou do que vale falar um "blá blá blá" que ninguém entende? Deus já não revelou à Igreja tudo o que era necessário para nossa salvação?

Ninguém pode depender da emoção, ninguém deve tornar-se "refém" das próprias sensações para continuar fiel a Deus. Deus está na alegria da conversão, mas está também na oração silenciosa, na contemplação do Mistério Divino, na quietude da adoração interior, verdadeiramente espiritual, no silêncio de uma reflexão cheia de amor e devoção sincera... Nosso Senhor Jesus Cristo disse: "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade" (João 4, 24). Para adorar em espírito seria preciso participar de shows, gritar, dançar, bater palmas, seguir coreografias? Ou essa exortação combina mais com aproximar-se de Deus no silêncio do coração? A parábola do fariseu e do publicano no Templo pode nos auxiliar neste estudo:

"Dois homens subiram ao Templo com o propósito de orar: um, fariseu; outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no seu interior desta forma: 'Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros'. O publicano, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: 'Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!' Digo-vos: este voltou para casa justificado, e não o outro. Pois todo o que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado" (Lc 18, 9-14).

A parábola trata, em primeiro lugar, de humildade, mas também nos dá uma pista clara sobre a maneira ideal de elevar nossas orações a Deus. O Senhor disse também: "Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente" (Mateus 6, 6). Um antigo cântico cristão diz: "No silêncio do coração, o Senhor faz ouvir a sua Voz...".

Todas as vezes que a Bíblia fala em oração, em cultuar a Deus, fala em silêncio, em reverência. O apóstolo Paulo gastou 40 versículos para tratar do culto público (I Coríntios 14). Falou da necessidade de cantar em espírito, e também com a mente, com o entendimento (I Co 14, 15). Termina o capítulo dizendo: "Tudo, porém, seja feito com decência e ordem" (I Co 14, 40). Será preciso dizer mais?

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