IV - A Bênção
A Bênção é de algum modo o sacrifício da tarde, pois que geralmente é dada depois da hora do meio dia. Dir-se-ia que o sentimento e o instinto da devoção católica consagrariam de boa vontade ao Santíssimo Sacramento a segunda parte do dia, como haviam consagrado a primeira a Missa, como se não pudessem esperar pacientemente de uma manhã a outra, sem fazer alguma manifestação ou algum uso da Presença Sacramental de Jesus; ou, pelo menos, como se não pudessem, sem Ele, observar as Suas próprias testas, as de Sua Mãe, dos Seus anjos e dos Seus Santos.
Além disso, com desejo de corresponder a piedosa solicitude da multidão dos crentes, a Igreja Católica parece autorizar as diversas maneiras de honrar o SS. Sacramento com uma fertilidade que está sempre na razão dos ultrajes e das blasfêmias que a perversidade, a heresia e a ignorância prodigalizam no mundo a cada mistério de amor. São Filipe viu um dia na Hóstia, durante a Exposição do Sacramento, Nosso Senhor dando a bênção a multidão prostrada a Seus pés, como se tal fosse a atitude natural e a ocupação ordinária da Sua bondade na divina Eucaristia.
Seria difícil achar palavras para exprimir, em toda a sua grandeza e realidade, as graças que o nosso doce Salvador espalha sobre nós na Bênção. Caem elas, não só sobre os cuidados e os pesares, sobre as turbações e tentações, as faltas e as imperfeições, que vimos depor a Seus pés; mas iluminam todos os refolhos da nossa alma, onde se ocultam as fraquezas que ignoramos, nos esclarecem a respeito da nossa posição presente, cujo perigo não suspeitávamos; exercem também Sua salutar influência sobre os espíritos malignos que nos cercam, ferindo-os de estupidez e de inércia, e sobre o nosso Anjo da Guarda, recompensando-lhe os seus cuidados caridosos, comunicando-lhe luzes e vigor novos para ajudar a preencher a sua piedosa missão.
Devemos também lembrar-nos que a graça da Bênção não consiste somente nos sentimentos da fé e amor que suscita em nossa alma, por maior que seja aliás tal benefício, mas que ela emana de Jesus Cristo, e que é a um tempo sólida, poderosa e substancial, dotada da faculdade de purificar e criar, porque participa da realidade do próprio Santíssimo Sacramento. Tudo quanto se refere a este mistério entra, sob véus sagrados, no santuário desta augusta realidade e reveste-se assim de uma vida à parte, que se não assemellha a nenhum outro objeto de devoção. É nesta realidade que reside a força atraente do Santíssimo Sacramento.
Não cabe agora encetar uma dissertação sobre as diversas práticas que os Santos recomendaram quanto a Bênção. Cada um seguirá neste particular a sua própria inclinação devota. Todavia, eis o que se pode dizer: Os Evangelhos mencionam três sortes de Bênção emanando de Nosso Senhor e podemos referir a uma ou outra destas três classes todas as bênçãos do Santíssimo Sacramento que recebemos.
Uma vez, abençoa os pequenos, as crianças, como é dito no décimo capítulo de São Marcos, e podemos em espírito prostrar-nos sob a Sua mão sacramental estendida para nos abençoar, como se fossemos, nós também, crianças; e digamo-Lhe o nosso vivo desejo de nos ver aumentada esta simplicidade infantil que tantos encantos tinha aos Seus olhos.
Além disso, lemos que no dia da Ascenção ao separar-se dos Apóstolos, Ele elevou as mãos ao céu e os abençoou e logo a Sua dor foi seguida de grande alegria e Sua timidez de um zelo intrépido em favor da salvação das almas: há instantes, em que, em face de certos deveres, desejaríamos sentir estas inestimáveis graças de zelo e alegria revividas em nossas almas tristes e languescentes.
Enfim, há a bênção do Juízo Final, que será pronunciada, como Ele próprio o disse, nestes termos: "Vinde, ó abençoados de Meu Pai; entrai no reino que Vos foi preparado desde antes da criação do mundo". Podemos unir-nos a esta bênção para implorar a graça da perseverança, o mais doce dos dons de Jesus, pois que nos vem unicamente d'Ele.
Há pessoas que são de tal modo oprimidas pelo pensamento da extensão das suas culpas e da variedade infinita dos dons do Senhor, que se contentam de curvar a cabeça e, cada vez que soa o sino, de repetir esta súplica de um santo do deserto: "Sicut scit et vis, Domine! Sabeis o que melhor nos convém e seja feita a Vossa vontade"; e depois, lembrando-se de que somos abençoados pela substância que Jesus recebeu de Maria, acrescentam estas palavras do ofício: "Et innumerabilis honestas cum ea! e toda a espécie de pureza com ela, como se estas suas orações jaculatórias contivessem tudo quanto os fiéis tem que dizer e tudo quanto quereriam neste momento depor aos pés do Redentor.
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