Escola de Atenas, Rafael Sanzio
Fica, assim, claríssima a superioridade
da filosofia aristotélico-tomista diante de seus irmãos menores e
travessos da era moderna. Há, desde o fim da escolástica, um
acovardamento da alma filosófica, um recuo impressionante da
consciência, que busca deliciar-se com a contemplação de si mesma,
rompendo o máximo que pode a sua familiaridade com as coisas, com o
mundo, que não lhe é mais simplesmente algo obtuso e desafiador, mas
insuportável e opressivo. O júbilo do pensador moderno é ser justamente
esse “pensador”, esse ser que só pensa, que só conexiona idéias, por
mais rasas que eles sejam, recusando-se terminantemente a saltar para o
nível superior, o da compreensão, que Platão ressaltava.
Enquanto os gregos e os medievais se
maravilhavam ao testemunhar o espetáculo da realidade, os modernos irão
querer montar o seu próprio teatrinho, cujo acesso
cabe somente aos que aplaudirem as suas extravagâncias. O homem nascido
no Renascimento é o homem do humanismo, o homem cujo princípio e fim é a
sua própria essência, a sua qüididade. Ora, revogando
a verdade suprema que lhe causa e a quem ele deve sua perfeição, o que
impede o homem de formular a sua essência como bem lhe aprouver? Não há
mais um elefante para cada cego agarrar-lhe uma parte e dar a sua versão
do animal, mas os cegos estão em desvario, gritando por aí: “eu sou o
elefante!”. Porque esta é afinal a grande concretização da era moderna, o
grito da “consciência individual”, um grito lancinante de quem morre no
vazio e estridente para quem sofre a imposição da sua ontologia
megalomaníaca.
A era moderna é a era das brumas
agnósticas e dos vórtices niilistas. É a era que nos mostra o quão
covarde e ao mesmo tempo insolente pode ser o homem. Renunciando o seu
lugar no mundo, negando a condicionalidade de sua essência, o homem
transforma a verdade numa idéia absurda, num acidente da razão. O Ser,
aquele Deus, é um mito, uma fábula para criancinhas, o Ser sou eu e o
que eu achar que é melhor ser. O mundo torna-se um mundo dos sonhos,
onde tudo o que for idealizado têm potência para se atualizar,
principalmente a inexistência do próprio mundo. A realidade é para o
homem moderno conforme o seu apetite. O que são as revoluções e as
ditaduras sangrentas dos últimos três séculos se não um resultado de tal
postura?
Colocada diante dessa pletora de
sistemas confusos, arroubos idealistas e louvores apaixonados pela
escuridão do nada, a filosofia do absoluto em Aristóteles e,
especialmente, em Tomás de Aquino, resplandece como mil sóis a iluminar o
universo da ciência humana.
O que fazem estes dois gigantes é por às
claras o quanto o pensamento se submete ao ditame universal do ser.
Todo pensar tem a sua referência fundamental nos entes. Nenhuma conteúdo
noético tem um fundamento em si mesmo, do contrário seria um ente per
se, o que é absurdo. O próprio sujeito cognoscente é um ente, e como
tal, não existe por si mesmo, mas divide com todos os outros entes uma
origem calcada no ser absoluto. Como bem coloca o tomista brasileiro
Sidney Silveira ao criticar o cartesianismo, a diferença radical entre a
Aquino e Descartes se dá na diferença entre uma “ontologia em terceira
pessoa”, com origem no ser, e uma “ontologia em primeira pessoa”, com
origem no “eu”.
A negação da imersão do sujeito no ser,
como que lançando-o para um universo à parte, numa espécie de dualismo
monstruoso de cariz luciferiana, é o que iria descambar na doença
gnoseológica de Kant, que afirma que nada podemos conhecer da
coisa-em-si exceto a ciência de que não podemos conhecê-la.
Tomás e a maior parte dos grandes
filósofos que o precederam sabiam muito bem que a realidade é
necessariamente modelada pelo sentido interno, isto nunca foi novidade.
Mas se há essa adequação, é porque há algo para ser adequado, algo
captado pelo sentido externo. Como provado há milênios, não é possível
os seres participarem da realidade sem haver uma mínima tangência entre
ente e ser. É contraditório um ser contingente ser por si mesmo, e
absurdo ele ser criado puramente pela vontade. A filosofia moderna será
uma filosofia de um espírito doente, esquizofrênico, e orgulhosa desta
sua pneumopatologia.
A grande realização da Escolástica, com
seu cume em Tomás de Aquino, foi dar ao homem uma realidade ainda mais
ativa e concreta no universo. Pela fé na verdade e pela razão ativa, o
sujeito se redescobre integrado no absoluto, algo que ele já tinha como
assegurado no próprio ato de existir e de testemunhar o real. Quando o
homem descortina as leis, as regras, as instâncias que definem os entes
desde sua raiz no absoluto, o caos do mundo recebe uma infusão de
coerência e harmonia. E quando o homem realiza a síntese destas
descobertas, abre ele uma via expressa à plena verdade. O espírito
diminui o frenesi de subidas e descidas pelo espetáculo do mundo, e o
coração se abranda.
A filosofia concreta é a condição não só
para a ascensão espiritual da humanidade como para suas grandes
realizações científicas. Jamais as rupturas inconseqüentes, os
negativismos e as suspensões foram responsáveis por qualquer avanço da
civilização, senão como referência do que não se fazer. Conforme Mário
energicamente afirmava no decorrer de toda sua grandiosa obra, a
positividade, a afirmação, a reunião, a concreção é que engrandecem a
filosofia e que possibilitam a realização do homem. Porque, afinal,
Deus, princípio e fim de todas as coisas, é positivo, afirmativo, uno.
E concreto.
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