sexta-feira, 20 de abril de 2012

Filosofia e “filosofias”


Escola de Atenas, Rafael Sanzio

 Fica, assim, claríssima a superioridade da filosofia aristotélico-tomista diante de seus irmãos menores e travessos da era moderna. Há, desde o fim da escolástica, um acovardamento da alma filosófica, um recuo impressionante da consciência, que busca deliciar-se com a contemplação de si mesma, rompendo o máximo que pode a sua familiaridade com as coisas, com o mundo, que não lhe é mais simplesmente algo obtuso e desafiador, mas insuportável e opressivo. O júbilo do pensador moderno é ser justamente esse “pensador”, esse ser que só pensa, que só conexiona idéias, por mais rasas que eles sejam, recusando-se terminantemente a saltar para o nível superior, o da compreensão, que Platão ressaltava.

Enquanto os gregos e os medievais se maravilhavam ao testemunhar o espetáculo da realidade, os modernos irão querer montar o seu próprio teatrinho, cujo acesso cabe somente aos que aplaudirem as suas extravagâncias. O homem nascido no Renascimento é o homem do humanismo, o homem cujo princípio e fim é a sua própria essência, a sua qüididade. Ora, revogando a verdade suprema que lhe causa e a quem ele deve sua perfeição, o que impede o homem de formular a sua essência como bem lhe aprouver? Não há mais um elefante para cada cego agarrar-lhe uma parte e dar a sua versão do animal, mas os cegos estão em desvario, gritando por aí: “eu sou o elefante!”. Porque esta é afinal a grande concretização da era moderna, o grito da “consciência individual”, um grito lancinante de quem morre no vazio e estridente para quem sofre a imposição da sua ontologia megalomaníaca.

A era moderna é a era das brumas agnósticas e dos vórtices niilistas. É a era que nos mostra o quão covarde e ao mesmo tempo insolente pode ser o homem. Renunciando o seu lugar no mundo, negando a condicionalidade de sua essência, o homem transforma a verdade numa idéia absurda, num acidente da razão. O Ser, aquele Deus, é um mito, uma fábula para criancinhas, o Ser sou eu e o que eu achar que é melhor ser. O mundo torna-se um mundo dos sonhos, onde tudo o que for idealizado têm potência para se atualizar, principalmente a inexistência do próprio mundo. A realidade é para o homem moderno conforme o seu apetite. O que são as revoluções e as ditaduras sangrentas dos últimos três séculos se não um resultado de tal postura?

Colocada diante dessa pletora de sistemas confusos, arroubos idealistas e louvores apaixonados pela escuridão do nada, a filosofia do absoluto em Aristóteles e, especialmente, em Tomás de Aquino, resplandece como mil sóis a iluminar o universo da ciência humana.
O que fazem estes dois gigantes é por às claras o quanto o pensamento se submete ao ditame universal do ser. Todo pensar tem a sua referência fundamental nos entes. Nenhuma conteúdo noético tem um fundamento em si mesmo, do contrário seria um ente per se, o que é absurdo. O próprio sujeito cognoscente é um ente, e como tal, não existe por si mesmo, mas divide com todos os outros entes uma origem calcada no ser absoluto. Como bem coloca o tomista brasileiro Sidney Silveira ao criticar o cartesianismo, a diferença radical entre a Aquino e Descartes se dá na diferença entre uma “ontologia em terceira pessoa”, com origem no ser, e uma “ontologia em primeira pessoa”, com origem no “eu”.

A negação da imersão do sujeito no ser, como que lançando-o para um universo à parte, numa espécie de dualismo monstruoso de cariz luciferiana, é o que iria descambar na doença gnoseológica de Kant, que afirma que nada podemos conhecer da coisa-em-si exceto a ciência de que não podemos conhecê-la.
Tomás e a maior parte dos grandes filósofos que o precederam sabiam muito bem que a realidade é necessariamente modelada pelo sentido interno, isto nunca foi novidade. Mas se há essa adequação, é porque há algo para ser adequado, algo captado pelo sentido externo. Como provado há milênios, não é possível os seres participarem da realidade sem haver uma mínima tangência entre ente e ser. É contraditório um ser contingente ser por si mesmo, e absurdo ele ser criado puramente pela vontade. A filosofia moderna será uma filosofia de um espírito doente, esquizofrênico, e orgulhosa desta sua pneumopatologia.

A grande realização da Escolástica, com seu cume em Tomás de Aquino, foi dar ao homem uma realidade ainda mais ativa e concreta no universo. Pela fé na verdade e pela razão ativa, o sujeito se redescobre integrado no absoluto, algo que ele já tinha como assegurado no próprio ato de existir e de testemunhar o real. Quando o homem descortina as leis, as regras, as instâncias que definem os entes desde sua raiz no absoluto, o caos do mundo recebe uma infusão de coerência e harmonia.  E quando o homem realiza a síntese destas descobertas, abre ele uma via expressa à plena verdade. O espírito diminui o frenesi de subidas e descidas pelo espetáculo do mundo, e o coração se abranda.

A filosofia concreta é a condição não só para a ascensão espiritual da humanidade como para suas grandes realizações científicas. Jamais as rupturas inconseqüentes, os negativismos e as suspensões foram responsáveis por qualquer avanço da civilização, senão como referência do que não se fazer. Conforme Mário energicamente afirmava no decorrer de toda sua grandiosa obra,  a positividade, a afirmação, a reunião, a concreção é que engrandecem a filosofia e que possibilitam a realização do homem. Porque, afinal, Deus, princípio e fim de todas as coisas, é positivo, afirmativo, uno.

E concreto.

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