terça-feira, 17 de abril de 2012

“Duas Correntes”, por Dom Tomás de Aquino

 
DUAS CORRENTES
Ir. Tomás de Aquino OSB


Duas correntes se manifestam hoje na Tradição. Uns querem um acordo. Outros não.

Uns dizem:
– É preciso entrar na Igreja.
Outros respondem:
– Quem já está dentro não precisa entrar.
– Mas nós precisamos da legalidade – retrucam os primeiros.
– Foi assim que caíram o Barroux, Campos e tantos outros – respondem os segundos.
– Mas nós não cairemos, não é possível que Deus permita que tal coisa aconteça.
– “Quem está de pé, cuidado para que não caia” – adverte São Paulo (I Cor. 10, 12).
As mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Se Bento XVI beatifica quem excomungou Dom Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer, se Bento XVI celebra o jubileu de prata da reunião de Assis, se Bento XVI defende o Concílio Vaticano II como sendo a Tradição, então os males que vimos no pontificado de João Paulo II se repetirão no de Bento XVI.
Enquanto a Roma liberal dominar a Roma eterna; enquanto o maior desastre da história da Igreja desde a sua fundação, ou seja, o Concílio Vaticano II, fôr a referência privilegiada dos Bispos, dos Cardeais e do Santo Padre, não haverá solução.
– Mas Roma está mudando – retomam os defensores dos acordos.
– Mudando em quê?
– Roma liberou a missa e retirou as excomunhões – respondem os primeiros.
– Mas de que serve liberar a missa de sempre se Roma deixa coexistir as duas missas? Lemos no Antigo Testamento que Abraão expulsou a escrava Agar e Ismael seu filho para que Isaac não ficasse com o filho da escrava, pois diz São Paulo: “Aquele que tinha nascido segundo a carne perseguia o que tinha nascido segundo o espírito”, e São Paulo acrescenta: “assim também agora” (Gal. V, 29). Abraão fez isto atendendo, a contragosto, a um pedido de Sara, e Deus deu razão à Sara, pois a que é livre não devia ser equiparada à escrava. A missa nova é Agar. Ela não tem direitos. Ela tem de ser suprimida. Quanto ao levantamento das excomunhões, de que serve retirá-las se se beatifica quem as fulminou? Apesar de certo benefício jurídico desses dois atos, “liberação” da missa (que nunca fora proibida) e “levantamento” das excomunhões (que nunca tiveram validade), o benefício espiritual de cada um deles ficou bem comprometido pelo contexto contraditório em que foram realizados. Ou é João Paulo II que tem razão, ou é Dom Lefebvre. Não se pode exaltar João Paulo II e retirar, se é que retiraram, a excomunhão de Dom Lefebvre. Os dois não podem ter razão ao mesmo tempo. Isso é puro modernismo. Quanto à missa, dá-se o mesmo. Se se permitem as duas, o resultado é a contradição. É um princípio de dissolução. É um princípio de corrupção da fé católica.
– Mas – dirão os acordista – Roma não pode pôr fim a esta crise de uma só vez. As coisas humanas não se resolvem de um só golpe. Para pôr ordem no caos atual, será necessário muito tempo.
– Sim. Não há a menor dúvida. Mas o começo desta ordem só virá quando o Papa tiver a intenção de instaurar esta ordem. E aqui uma questão se impõe. Bento XVI deseja pôr ordem na Igreja?
– Certamente – dirão alguns dentre os acordistas.
– Nada é menos certo do que isso – respondemos nós. – Pôr ordem na Igreja não é imitar Napoleão, que estruturou a Revolução e, desta forma, a perpetuou. Para semear a desordem, é necessário um pouco de ordem, dizia Corção. Bento XVI é um homem de ordem, mas a ordem que ele deseja não é a trazida pela Realeza Social de Nosso Senhor Jesus Cristo: para ele “o problema do Concílio foi assimilar dois séculos de cultura liberal”.[1] É isto o que Bento XVI dá sinais de querer fazer com sua hermenêutica da continuidade.
– Mas – insistem os outros – aos poucos Bento XVI tomará cada vez mais a defesa da Tradição. Ele precisa de nós. Ele quer a nossa ajuda para combater o modernismo.
– Campos também falava assim. Como Bento XVI pode querer nossa ajuda para combater o modernismo se ele mesmo é modernista? Ele pode combater certos modernistas, mas combater o modernismo, ele só poderá fazê-lo depois de deixar de ser modernista.
– Mas dessa forma não se chegará nunca a uma solução.
– Não sei. O que sei é que Santo Anselmo dizia que Deus não ama nada tanto neste mundo como a liberdade da sua Igreja. Pôr a Tradição sob a autoridade de homens que não professam a integridade da Fé católica é fazer exatamente o contrário do que Deus mais ama.
– Mas nesse caso o senhor está identificando a Tradição e a Igreja?
– Perfeitamente, já que a Igreja é essencialmente tradicional e não pode deixar de sê-lo.[2]
– Mas então quem é Bento XVI, se ele não é tradicionalista?
– É um Papa liberal que escraviza a Igreja. Pôr-se sob sua autoridade sem que ele renegue os erros por ele professados é pôr Sara sob o jugo de Agar, Isaac sob o jugo de Ismael. Ora, nós somos filhos da livre e não da escrava cujo filho é Vaticano II, escravo de dois séculos de cultura liberal.
– Qual é então a solução?
– A conversão do Papa.
– Mas como obtê-la?
– Rezando e combatendo. Deus não nos pede a vitória, mas sim o combate. Como dizia Santa Joana d’Arc, “os soldados batalharão e Deus dará a vitória”, pelo Imaculado Coração de Maria. Eis aí toda a nossa esperança.

[1] Do Liberalismo à Apostasia, Ed. Permanência, pág. 10.
[2] Evidentemente a questão é complexa. O título do livro de Ploncard d’Assac a resume de certa forma: A Igreja ocupada. Uma conferência de Dom Lefebvre sobre as notas da Igreja, feita em 1988 para responder aos argumentos acordistas de Dom Gérard, lançam também uma luz penetrante sobre a questão.

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