quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Subida do Calvário - XI. A CRUZ: SIMÃO DE CIRENE

 
 PRIMEIRA PARTE
OS INSTRUMENTOS DE SUPLÍCIO
 
XI -A CRUZ: SIMÃO DE CIRENE
 
 
A partir do momento em que Jesus se encontra com Sua Mãe, faz-se-Lhe no Coração um rasgão tão profundo, que as águas acerbas da Paixão nEle se precipitam e o inundam de todas as partes. Inundaverunt aquae super caput meum; dixi: perii. Invocavi nomen tuum, Domine, de lacu novíssimo!” (Lam 3, 54-55).

Sim, a ferida que Lhe fez aquela vista de Sua Mãe, aquela impossibilidade de se aproximar dEla: é bem esse abismo novo, último, sem fundo, inexplorado, de lacu novíssimo, em que o Filho do Homem se debate, com a Alma agitada, transtornada, retomando a Sua marcha e a Sua Cruz rastejante pela via do Tyropeon. É uma dessas etapas que, uma vez transpostas, nos rechaçam mais que nunca para o irreparável e para o absoluto das últimas desgraças. Assim, a vista do ente caro por excelência foi o instrumento de suplício mais penetrante da Paixão: só os que experimentaram a picada de uma dor semelhante é que poderão compreender esta ferida nova.

O Calvário avizinhou-se pois: a subida vai realmente começar para Jesus a partir do ponto em que Ele se encontrou com Sua Mãe. Agora só a verá Ele de longe, quando O crucificarem, e de perto, ao pé da Cruz, para se separar dEla.

À direita da via do Tyropeon, alguns passos mais além do lugar, quase no ponto a tradição situa a casa do mau rico, uma viela sobe, estreita, íngreme e pedregosa, até a saída da cidade pela porta Judiciária.
Os corpos dos animais cujo sangue era derramado em sacrifício pelos pecados do povo eram levados para fora da muralha. É pela mesma razão, diz-nos São Paulo, que Jesus, qual cordeiro languido mas sem queixa, caminha para a porta, para fora das muralhas. Saiamos também nós após Ele, para fora das fortificações, carregando a cruz infamante aos olhos dos homens.

Exeamos igitur ad eum extra castra, improperium ejus portantes (Hebr 13, 14).

Três acontecimentos assinalam esta suprema subida do Calvário: o encontro com Simão de Cirene, o encontro com Verônica, e a parada de Jesus por alguns instantes diante do grupo de mulheres que choram e se lamentam.

No momento de enveredar pela viela da direita, que sobe e se estende para o alto por entre as sombrias muralhas das casas, Jesus parece tão desfalecido que os que O cercam se perguntam se Ele poderá chegar ao termo. No cortejo ninguém O quer ajudar. Carregar a Cruz a um condenado é uma vergonha: Improperium ejus portantes.

Procurei alguém em torno de Mim para me prestar socorro, e não achei”.

Os soldados não vieram para essa tarefa; a multidão se recusa; e durante esse tempo os diálogos apressados e tumultuosos que se travam a respeito, Jesus fraqueia e cada vez mais.

Quando carregarmos a Cruz, a verdadeira, estaremos quase a sós. Os nossos amigos, os melhores, estranharão sermos tão pouco vigorosos, não nos perdoarão parecermos fracos e termos necessidade de socorro; as nossas lentidões serão covardias, as agonias inépcias ou sensibilidades exaltadas. O mundo quer ostentação até na morte daqueles que ele leva ao suplício.

Ó Jesus, como a Vossa fraqueza me conforta! Caniço recurvado e já calcado aos pés, é a Vós que eu me abordôo, como a uma vara e a um firme bordão: Virga tua et baculus tuus, ipsa me consolata sunt” (Sl 22, 4).

Foi nesse momento crítico que um homem que regressava do campo e que carregava sem dúvida o seu cesto e os seus instrumentos de trabalho, descia da porta Judiciária até a via do Tyropeon. Topou com o cortejo lúgubre. À vista daquele campônio, pelos modos do ofício – homem recrutável e bom para qualquer requisição – os soldados param: quase se faz mister a violência, o rústico não quer, tem seus afazeres; parlamenta-se, “será só para a subida; até o Calvário, no mínimo até o alto da rua tortuosa...” Angariaverunt. Em suma, forçam-no, compelem-no.

Jesus tudo viu, tudo ouviu, regateiam-Lhe aquele socorro. Recusam-se a carregar-Lhe o fardo, improperium, porque é uma vergonha.

Enquanto isso o Cristo larga a Sua Cruz; vai adiante agora, exausto, de braços caídos, sempre na frente, e atrás Simão Cirineu arrasta reclamando a Cruz de Jesus.

Existem ainda Simões Cirineus. Eu sou um. Eu carrego, arrasto constrangido a Cruz de Jesus. Queixo-me, reclamo, quase que é preciso a violência das circunstâncias ou o temor de um mal maior para me fazer suportar o jugo.

E Jesus vai na minha frente, não se volta, caminha.

“Aquele que não carrega a sua cruz todos os dias, após mim, não é digno de ser meu discípulo”.

Deste modo, faz-se mister uma cruz; uma todos os dias, uma que nos repugne, uma que nos humilhe aos olhos do cortejo, na subida do Calvário.

Ó luz sobre o meu sofrimento! Ó alegria nas minhas humilhações! Serenidade nas minhas quedas! Assim a minha repugnância é a marca autêntica de que eu tenho a verdadeira cruz, e quanto mais eu a arrastar com dor, tanto mais será a do Cristo Jesus que vai adiante. “Ó boa Cruz, exclamava extático Santo André [em seu martírio], Cruz longo tempo desejada e procurada!”

Esta é a Cruz privilegiada, a Cruz benigna, é a Cruz dos Mártires, à qual por grande bondade tira Deus a rude e oprobriosa asperidade: se assim m’a dais Vós, Jesus, obrigado. Porém, se me dais a de Simão Cirineu, a Vossa, a Cruz humilhante, que nos rebaixa, que nos pesa e que arrastamos forçados, quase a nos queixarmos... Ó vera Crux! Ó verdadeira Cruz do Calvário! Obrigado cem vezes mais ainda!...

ORAÇÃO DE UMA ALMA QUE ARRASTA A SUA CRUZ:

Vontade de meu Deus, quão me sois amarga hoje!

A cruz que eu mais temia é a que tenho de carregar: a cruz sem humilhação é uma cruz incompleta.
Vinde completar a minha, ó meu Deus, e nada faltará para me crucificar e imolar.

Pode a morte destruir-me mais ainda, e a morte valêra talvez mais para mim do que a vida: mas Vós quereis que eu viva para sofrer e também para Vos amar; eu Vos amo, pois, ó meu Deus, gemendo, porém submetendo-me.

Dentro de alguns anos (o tempo é curto), eu já aqui não estarei, baixando os olhos sob as vistas desprezadoras e sob as palavras mordazes: estarei sob os olhares dos Anjos e dos Santos, bendizendo os momentos dolorosos que terão me valido a alegria do Paraíso.
Ó, sim, meu Deus, por tudo sede bendito e agradecido eternamente. Amém.

(“A subida do Calvário”, do Pe. Louis Peroy, SJ)

 

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