Quatro franciscanos em meio ao mundo não se preocupam com nada mais além do que agradar a Virgem Maria, e assim também a Deus, rezando o santo Rosário |
Todos os bens e prazeres do mundo não podem
contentar o coração do homem. Quem o pode, pois, contentar? Só Deus. Deleita-te
no Senhor, e ele te outorgará as petições de teu coração. O coração do
homem anda sempre à procura de um bem que o possa saciar. Desfrute riquezas,
prazeres, honras; não estará contente, porque estes bens são finitos e ele foi
criado para um bem infinito. Encontre-se com Deus, una-se a Deus, e ei-lo
contente sem mais outro desejo.
Santo Agostinho nunca achou a paz enquanto passou a
vida nos prazeres dos sentidos. Mas, quando se deu a Deus, então confessou e
disse ao Senhor: Inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te – “Nosso
coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós”. Meu Deus, dizia,
agora vejo que todas as criaturas são vaidade e aflição, e só Vós sois a
verdadeira paz da alma. Instruído assim à sua custa, escreveu: “Ó homem,
criatura mesquinha, porque andas à procura dos bens deste mundo? Procura o
único bem que encerra todos os outros.”
Como Deus sabe tornar felizes as almas fiéis que o
amam! Quando São Francisco de Assis deixou tudo por amor de Deus, posto que
andasse descalço, coberto apenas com uns farrapos, morto de frio e fome,
experimentava um gozo celestial ao pronunciar estas palavras: Deus meus et
omnia – “Meu Deus e meu tudo”. Quando São Francisco de Borja, depois
de religioso, devia em viagem dormir sobre a palha, sentia tamanha consolação
que nem conseguia conciliar o sono. Da mesma forma São Filipe Neri, tendo
deixado tudo, recebia de Deus consolação tão viva, que, ao deitar-se,
exclamava: “Meu Jesus, deixai-me dormir.” No meio de seus árduos trabalhos nas
Índias, São Francisco Xavier descobria o peito, exclamando: “Basta, Senhor, de
consolações; já não me cabem no peito.” Santa Teresa costumava dizer que uma só
gota de consolação celeste dá mais contentamento que todas as doçuras e
divertimentos do mundo. – Além disso, não podem falhar as promessas que Deus
fez de recompensar o que por seu amor renuncia aos bens do mundo, dando-lhe
ainda nesta vida o cêntuplo de paz e de felicidade. Centuplum accipiet et
vitam aeternam possidebit (1) – “Receberá o cêntuplo e possuirá a vida
eterna”.
Que é que estamos procurando? Vamos a Jesus
Cristo, que nos convida, dizendo: “Vinde a mim, todos os que estais
carregados e fatigados e eu vos aliviarei”(2) – É verdade que nesta vida os
próprios santos têm que sofrer, porque a terra é um lugar de merecimentos e não
se pode merecer sem sofrer. Diz contudo São Boaventura que o amor divino é
semelhante ao mel que adoça e torna agradáveis as coisas mais amargas. O que
ama a Deus, ama a vontade divina e isto lhe faz gozar uma alegria espiritual
nas próprias aflições, porque sabe que, abrançando-a, agrada e contenta a seu
Deus.
Grande Deus, os pecadores querem desprezar a vida
espiritual, mas sem a terem saboreado! Vident crucem, sed non vidente
unctionem. Eles vêem, diz São Bernardo, somente as moritificações que
sofrem os amigos de Deus, e os prazeres de que se privam, mas não vêem as
delícias espirituais que o Senhor lhes prodigaliza. Oh! Se os pecadores
provassem a paz que goza uma alma que não quer senão Deus: Gustate et
videte, quoniam suavis est Dominus (3) – “Gostai e vede, quão suave é o
Senhor”.
Meu irmão, começa a fazer meditação todos os dias,
a comungar freqüentes vezes, a entreter-te com Jesus no Santíssimo Sacramento;
aplica-te a uma devoção filial para com Maria Santíssima e recorre a esta boa
Mãe em todas as tuas necessidades. Em suma, começa a desligar-te do mundo e
unir-te a Deus e verás que o Senhor, no pouco tempo que passares com ele, te há
de dar mais consolações do que o mundo te deu com todos os seus divertimentos:
“Gosta e vê, quão suave é o Senhor.”
Meu amado Redentor, como pude ser, no passado, tão
cego até Vos abandonar, ó Bem infinito, a fonte de todas as consolações, em
troca das miseráveis satisfações dos sentidos? Graças vos dou pelo tempo que me
concedeis para reparar o mal que fiz. Meu Jesus, amo-Vos de todo o coração, e,
porque Vos amo, pesa-me sobre todas as coisas de Vos ter ofendido. Não
permitais que ainda me separe de Vós; fazei que sempre Vos ame e depois fazei
de mim segundo a vossa vontade. Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.
(*97.)
----------
1. Matth. 19, 29.
2. Matth. 11, 29.
3. Ps. 33, 9.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima
Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 251-
253.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário