(Macbeth, de Wlliam Shakespeare, coroado rei) |
Parece que a bem aventurança consiste no poder.
1.
— Pois, todos os seres desejam assimilar-se a Deus, último fim e
princípio primeiro. Ora, os homens que tem o poder, consideram-se, pela
semelhança deste, semelhantes a Deus em máximo grau; por isso, são
chamados deuses na Escritura (Ex 22, 28): Não falarás mal dos deuses. Logo, a bem aventurança consiste no poder.
2.
Demais. — A bem aventurança é o bem perfeito. Ora, perfeitíssimo é que o
homem também possa governar os outros, o que convém aos constituídos no
poder. Logo, a bem aventurança consiste no poder.
3.
Demais. — A bem aventurança sendo soberanamente desejável opõe-se ao que se
deve sobretudo evitar. Ora, os homens evitam sobretudo a servidão, à
qual se contrapõe o poder. Logo, a bem aventurança consiste no poder.
EM SENTIDO CONTRÁRIO. — A bem aventurança é o bem perfeito. Ora, o poder é soberanamente imperfeito. Pois, como diz Boécio, o
poder humano não pode excluir as apreensões dos cuidados nem evitar o
aguilhão dos temores. E ainda: Julgas poderoso o que é rodeado de
satélites e que mais teme aqueles que aterroriza? Logo, a bem aventurança não consiste no poder.
SOLUÇÃO.
— É impossível a bem aventurança consistir no poder, por duas razões. —
Primeiro, porque o poder exerce a função de princípio, como se vê claro
em Aristóteles;
a bem aventurança, porém, de fim último. — Segundo, porque o poder tanto se
refere ao bem como ao mal, ao passo que a bem aventurança é o bem perfeito e
próprio do homem. Por onde, uma bem aventurança poderia consistir, mais, no
bom uso do poder, que supõe a virtude, do que no próprio poder.
Por
fim, quatro razões gerais podem ser aduzidas para mostrar que em nenhum
dos sobreditos bem exteriores pode consistir a bem aventurança.
E
a primeira é que, sendo a bem aventurança o sumo bem do homem, não se
compadece com nenhum mal; ora, todos os bens preenumerados podem-se
encontrar tanto nos bons como nos maus.
A segunda razão é que, sendo da essência da bem aventurança bastar-se a si mesma, como se vê em Aristóteles,
necessário é que, uma vez alcançada não falte nenhum bem necessário ao
homem. Ora, obtido cada um dos bens, referidos até aqui, podem ainda
faltar muitos outros necessários ao homem, como a sabedoria, a saúde do
corpo e outros.
A
terceira é a seguinte. Sendo a bem aventurança o bem perfeito, dela não pode
provir nenhum mal para ninguém. Ora, isso não se dá com os referidos
bens; pois como diz a Escritura (Ecle 5, 12), as riquezas às vezes se
conservam para mal de seu dono; e o mesmo se dá com as outras três
espécies de bens.
A
quarta razão é a seguinte. O homem ordenando-se à bem aventurança
naturalmente, ordena-se por princípios interiores; ora, os quatro bens
aludidos provêm, antes, de causas exteriores e, muitas vezes, da
fortuna, donde vem o serem chamados bens da fortuna.
Por onde é claro que de nenhum modo a bem aventurança neles consiste.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O poder divino é idêntico à sua
bondade, e por isso não pode usar senão bem desta. Ora, tal não se dá
com os homens. Por onde, não basta, para a bem aventurança, que o homem se
assemelhe com Deus pelo poder, se também não se lhe assemelhar pela
bondade.
RESPOSTA
Á SEGUNDA. — Assim como é ótimo alguém usar bem do poder, no governo do
povo, assim é péssimo usar mal; de modo que o poder tanto pode ser
usado para o bem como para o mal.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A servidão é um impedimento para o bom uso do poder, e
por isso os homens naturalmente, a fogem; mas daí não se deduz seja o
poder o sumo bem do homem.
(Suma Teológica I-II, q.2, a.6)
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