terça-feira, 25 de setembro de 2012

O otimista como um suicida - Chesterton



O otimista como um suicida

Gilbert Keith Chesterton



Livre-pensadores pensam ocasionalmente, mas nunca são livres. No moderno mundo ocidental, eles parecem sempre presos à monotonia de um cosmos materialista e monista. O cético universal, na Ásia ou na antiguidade, foi provavelmente um pensador mais ousado, embora muito provavelmente um homem mais infeliz. Mas o que temos de tratar de ceticismo não é ceticismo; mas uma fé fixa no monismo. O livre-pensador não é livre para questionar o monismo. Ele é proibido, por exemplo, no único inteligível sentido moderno, de acreditar num milagre. É proibido exatamente no mesmo sentido em que ele diria estarmos proibidos de acreditar numa heresia. Ambos são proibidos por primeiros princípios, não pela força. A Associação de Imprensa Racionalista não seqüestrará, amordaçará ou estrangulará Sir Arthur Keith se ele admitir a evidência de uma cura em Lourdes. Tampouco o Arcebispo de Westminster me enforcará, estripará ou esquartejará se eu anunciar que serei um agnóstico amanhã. Mas em ambos os casos é certo dizer que um homem não pode se livrar de seus primeiros princípios sem a rendição e a revolução de seu mais íntimo eu. De fato, somos o mais livre dos dois; pois, dificilmente haverá uma evidência, natural ou preternatural, que não possa ser acolhida, em algum lugar, pelo nosso sistema; enquanto que o materialista não pode acolher o mínimo milagre em nenhum lugar em seu sistema. Mas deixemos isso de lado, como uma questão em separado; e concordemos, apenas para efeito de argumentação, que ambos o católico e o materialista estão limitados somente pela sua convicção fundamental sobre o sistema cósmico; em ambos o pensamento está, nesse sentido, proibido e, nesse sentido, livre. Conseqüentemente, quando vejo em algum encontro promovido pela imprensa, como aquele sobre espiritualismo, um eminente materialista com o Sr. John M. Robertson discutindo a evidência para o espiritualismo, sinto exatamente como imagino que ele sentiria quando ouvisse um bispo com uma mitra ou um jesuíta com uma batina discutindo a evidência para o materialismo. Sei que o Sr. Robertson não consegue aceitar a evidência sem se tornar alguém muito diferente do Sr. Robertson; que também está ao alcance do poder da graça de Deus. Mas sei muito bem que ele não é um livre-pensador. Há muito ele chegou a uma conclusão que controla todas suas outras conclusões. Ele não é levado a aceitar o materialismo por evidências científicas. Ele está proibido, pelo materialismo, a aceitar evidências científicas.

Mas há um outro modo em que o livre-pensador não só pensa como é útil. O homem que rejeita a Fé totalmente é sempre muito valioso ao homem que a rejeita por partes, ou pouco a pouco, ou hora sim hora não. O homem que escolhe alguma parte do catolicismo que o apetece, ou joga fora alguma parte que o confunde, de fato produz, não somente o tipo de resultado mais estranho, mas geralmente o resultado exatamente oposto ao que ele pretendia. E sua inconsistência pode freqüentemente ser efetivamente exposta tanto do ponto de vista negativo quanto do positivo. Diz-se que quando os meio-deuses se vão, os deuses surgem; pode-se dizer, numa agradável paródia, que quando as não-deidades surgem, as meia-deidades se vão; e não estou certo de que isso não seja uma boa libertação. De qualquer forma, mesmo o ateu pode ilustrar quão importante é manter o sistema católico integral, mesmo se ele o rejeita integralmente.

Um curioso e divertido exemplo vem dos EUA; em relação ao Sr. Clarence Darrow, uma espécie de cético simples e ingênuo daquela terra da simplicidade. Ele parece ter escrito algo sobre a impossibilidade de alguém ter uma alma; do que nada precisa ser dito exceto (como sempre) que parece que é o cético que realmente pensa supersticiosamente sobre a alma, como um isolado e secreto animal com asas; que considera a alma separada do eu. Mas o que me interessa sobre ele no momento é isto: um de seus argumentos contra a imortalidade é que as pessoas não acreditam realmente nela. E um de seus argumentos para isso é que se elas acreditassem em certa felicidade além da cova, elas se matariam. Ele diz que ninguém suportaria o martírio do câncer, por exemplo, se realmente acreditasse (como ele aparentemente supõe que todos os cristãos acreditam) que o mero fato da morte introduzisse instantaneamente a alma na perfeita felicidade e na companhia de seus melhores amigos. Um católico saberá certamente que resposta ele tem de dar. Mas o Sr. Clarence Darrow não sabe minimamente que tipo de pergunta ele fez.

Agora temos a última flor e coroa de todo o moderno otimismo, universalismo e humanitarismo em religião. Os sentimentalistas falam sobre amor até que o mundo esteja cansado da mais gloriosa das palavras humanas; eles supõem que possa haver um tipo de utopia de prazer prático que nos prometem (mas não nos dão) neste mundo. Eles declaram que tudo será perdoado, porque não há nada a se perdoar. Eles insistem que o “passamento” é somente como ir para a sala ao lado, insistem que não será sequer uma sala de espera. Declaram que seremos introduzidos numa sala de estar repleta de todos os confortos concebíveis, sem qualquer referência a como chegamos lá. Eles estão certos de que não há nenhum perigo, nenhum demônio; não há sequer morte. Tudo é esperança, felicidade e otimismo. E, como o ateu muito verdadeiramente observa, o resultado lógico de toda aquela esperança, felicidade e otimismo seria centenas de pessoas se enforcando nos postes ou milhares de pessoas se jogando em poços e canais. Devemos encontrar o resultado racional da moderna religião da alegria e do amor num imenso estouro de suicídio humano. O pessimismo teria matado seus milhares, mas otimismo, seus milhões.

Ora, como eu disse, um católico sabe a resposta; porque detém uma filosofia completa, que mantém um homem são; e não algum simples fragmento dela, seja triste ou alegre, que pode facilmente levá-lo à loucura. Um católico não se mata porque não considera seguro que ele mereça o paraíso, ou que não faça diferença que ele o mereça ou não. Ele não professa saber exatamente que perigos encontrará; mas ele sabe que lealdade ele violaria e que mandamento ou condição ele desconsideraria. Ele realmente pensa que um homem pode ser mais adequado ao paraíso porque ele suportou como um homem; e que um herói poderia ser um mártir do câncer como São Lourenço ou Santa Cecília foram mártires de caldeirões ou de grelhas. A fé numa vida futura, a esperança numa futura felicidade, a crença que Deus é Amor e que a lealdade é a vida eterna, essas coisas não produzem lunáticos e anarquistas, SE elas forem consideradas juntamente com outras doutrinas católicas sobre dever, vigilância e cuidados contra os poderes do inferno. Elas podem produzir lunáticos e anarquistas se forem tomadas em separado. E os modernistas, isto é, os otimistas e sentimentalistas, querem tomá-las em separado. Claro, o mesmo seria verdade se alguém tomasse as outras doutrinas – do dever e disciplina – em separado. Isso produziria outra idade das trevas de puritanos rapidamente enegrecendo os pessimistas. De fato, os extremos se encontram, quando ambos são cortados do que deveria ser uma coisa completa. Nossa parábola termina poeticamente com dois cadafalsos frente a frente; um para o suicida pessimista e outro para o suicida otimista.

A questão é que essa passagem do cético americano está respondendo o modernista; mas não está respondendo o católico. O católico tem um motivo muito simples e razoável para não cortar sua garganta a fim de voar instantaneamente para o paraíso. Mas o cético americano pode realmente levantar uma questão para aqueles que falam do paraíso como sendo invariavelmente e instantaneamente povoado de pessoas que cortaram suas gargantas. E isso é somente um exemplo de uma longa lista de exemplos; nos quais aqueles que tentaram fazer a Fé mais simples, invariavelmente a fizeram menos sã. Os muçulmanos imaginaram que estavam sendo meramente razoáveis quando reduziram o credo à mera crença em um único Deus; mas no mundo da psicologia prática, eles realmente o reduziram a um único Destino. O efeito real no homem comum foi simplesmente fatalismo; como o do turco que não leva seus feridos a um hospital porque está resignado ao Kismet ou à vontade de Alá. Os puritanos pensavam que estavam simplificando as coisas quando recorriam ao que eles chamavam de simples palavras da Escritura; mas, de fato, eles estavam complicando as coisas criando centenas de raivosas seitas e loucas sugestões. E os modernos universalistas e humanitários pensavam estar simplificando as coisas quando interpretavam a grande verdade de que Deus é Amor como significando que possa não haver guerra com os demônios e perigos para a alma. Mas, de fato, eles estavam inventando enigmas ainda mais obscuros com respostas ainda mais amplas; e o Sr. Clarence Darrow sugeriu um deles. Ele ficará gratificado em receber por isso os agradecimentos de todos os católicos.

Do livro “A Coisa”, publicado em 1929



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