Por Gustavo Corção
Se alguma coisa no mundo merece ser defendida com indefectível dedicação, se o regime deve ser defendido, se a pátria, a Constituição, os direitos dos homens devem ser defendidos, então, antes de qualquer outra coisa, deve ser defendida a instituição familiar. Ora, esse imperativo, do qual depende a sorte do mundo, se conjuga com o mais espontâneo e o mais veemente dos desejos humanos. Entre os diversos fatores que constituem o sistema de fortificações da família está em primeiro lugar o da criteriosa escolha recíproca. Ao contrário do regime divorcista que a desvaloriza, rebaixando-a até o nível do capricho, a indissolubilidade exalta a importância da escolha. E reciprocamente, a boa escolha é a melhor garantia da solidez do vínculo. O primeiro requisito de um escolha feliz, a julgar pelo que incansavelmente repetem os observadores das almas, é o da maturidade dos pretendentes. O mundo moderno, com seu vertiginoso estilo de vida, está cheio de imaturos escondidos sob as aparências da compleição adulta. O que mais se encontra é a atrofia psicológica, geralmente acompanhada da atrofia moral. O que mais se vê a olhos vistos, num e noutro sexo, é a falta de integridade psíquica, é a incapacidade de resistir aos sopros da vida e de cumprir os compromissos tomados. Ou então é a vontade débil e vacilante que nem sabe querer o que quer. Ou ainda, como se dizia antigamente, é a falta de caráter. Os inquéritos feitos nos Estados Unidos para apurar a causa mais forte e frequente da infelicidade conjugal chegaram ao mesmo resultado: é na imaturidade psicológica dos cônjuges que reside a causa. Mal formados, mal preparados, os moços se atiram com almas de crianças caprichosas num empreendimento que exige determinação e coragem. Antes das fraquezas trazidas pelas paixões, antes dos tropeços da infidelidade, o principal inimigo do casamento é a futilidade dos cônjuges. Mas por favor não se confunda maturidade com experiência da vida ou com adestramento técnico de economia doméstica. Uma pessoa pode ser inexperiente, pode e é bom que tenha a candura dos vinte anos sem ser o que se chama imaturo. Não é pelos dotes profissionais nem pelas prendas de dona de casa que se conhece a robustez de alma; é pela capacidade de resistir e perseverar, e sobretudo pela capacidade de cumprir o que prometeu.
Cuide pois a moça de escolher um homem que seja homem. Não apenas pelo metro e oitenta nem pela barba cerrada que podem perfeitamente ser adornos duma alma não crescida. Trate de escolher um homem viril, um homem feito, e não um imaturo, um hesitante que não sabe querer o que quer ou um fraco que procura instintivamente o regaço materno. E o moço, se quer família estável, procure a mulher que ainda tenha as fortes e obscuras virtudes de seu sexo.
Mas seria um erro funesto pensar que os critérios de escolha se devam limitar às considerações das qualidades e dos títulos dos pretendentes. Casamento é uma união pessoal e não uma simples conjugação de aptidões. Para ter maiores probabilidades de êxito é indispensável que as duas pessoas engajadas tenham aquela misteriosa afinidade que se traduz um afeto, em gosto recíproco, e em apaziguamento das almas. E foi para isso, para a decifração do segredo profundo das pessoas, que Deus acendeu nos corações a chama do belo amor. Muita gente diz que o amor é cego, e portanto mau conselheiro. Mas não é verdade. Cego é o amor próprio, que muitas vezes se finge de amor. Ao contrário, amor é compreensão, é penetração, é conhecimento. Amor de bem-querer é o divino instinto que revela as afinidades essenciais à boa convivência. Não basta portanto, para a feliz escolha, a consideração racional e prudente das qualidades do companheiro. Não há nada menos razoável que o chamado casamento de razão. Não há nada mais perigoso e doloroso do que o casamento sem amor. Antigamente, quando se acreditava demais nos valores extrínsecos e no funcionamento das instituições, que seriam capazes até de arredondar as arestas vivas das almas, era costume aconselhar casamento em função das qualidades e títulos. Havia por exemplo o casamento de “bom partido”. E ainda hoje muita mãe calejada, ou de si mesma esquecida, espanta-se e assusta-se quando vê a filha recusar um desses bons partidos. Diz que amor é poesia que passa. Ensina que a vida é diferente. Alega sua experiência. Mas no caso quem tem razão é a filha, porque ninguém se casa com adjetivos. Por melhores que sejam ambas as partes, a convivência será um doloroso desencontro se faltar a misteriosa afinidade que só pode ser revelada e descoberta na experiência do amor. Ninguém se casa com títulos. É com a pessoa, essa coisa espessa e compacta, integrante de todas as qualidades numa substância concretíssima e singularíssima, é com a pessoa, com o ser total do outro, que a gente se casa. E isto só se manifesta quando funcionam as finas intuições do coração, e o amor é a virtude de multiplicar por mil as secretas sensibilidades desse instinto.
A intuição amorosa não despreza as qualidades, não faz tábula rasa dos títulos e das recomendações, mas integra-os no todo da pessoa amada. O amor é essencialmente totalizador, ao contrário do desamor que é essencialmente analista. Quando a gente gosta de uma pessoa, pessoalmente, até o fundo, é da pessoa total que se gosta; quando porém a pessoa aborrece é sempre pelas partes e pelas superfícies que aborrece. Se nós pudéssemos atravessar essa pele das almas, e chegar ao fundo da pessoa, não haveria quem nos aborrecesse, porque lá veríamos, através da feia ganga, a imagem e semelhança de Deus. Há um amor que vem da divina graça e que é capaz de tão espantosa penetração. Mas seria temeridade, de incalculáveis consequências, querer firmar a instituição do casamento no puro amor teologal com desprezo dos humanos afetos. Mesmo para os cristãos, o casamento é uma instituição natural dobrada de uma significação sobrenatural. Em princípio, nunca é agradável a Deus autor da Graça o esquecimento de Deus autor da Natureza. Por isso é temerário, para a fundação de um lar, abrir mão do mais precioso investimento e do mais agudo critério.
O mundo está cheio de casamentos doloridos, consequências de escolhas mal feitas. Nós bem o sabemos. E até podemos dizer que estamos disso mais bem informados do que todos os divorcistas. Falem-nos num caso de infelicidade; responderemos com dez. Tragam-nos vinte exemplos de uniões dolorosas; mostraremos duzentas, muitas das quais o divorcista pensa que são felizes. Bem o sabemos. Não costumamos fazer aparato de bons sentimentos, mas uma vez ao menos seja-nos permitido dizer que frequentemente Deus nos concede o excelso favor de sentirmos como nossas, muito nossas, as alheias aflições. E daí? Do fato de existirem duzentos casais infelizes não podemos aceitar que seja boa a medida que, para resolver o caso desses, venha a criar dois mil. Não nos obriguem pois os divorcistas a dizer que nossa compaixão é mais extensa do que a deles. Não é possível fugir ao bom-senso em nome dos bons sentimentos. Salta aos olhos, mesmo sem nenhum inquérito, que a causa principal dos casamentos infelizes é a má escolha, ou a escolha imprudente; ora, o divórcio torna a escolha ainda mais imprudente; logo, o número de casamentos infelizes será multiplicado até as proporções de um flagelo social.
Fonte: Claro Escuro - Livraria AGIR Editora - Coleção Família.
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