(Charles Lucy) |
Em princípio, parece haver motivos para acreditar que só a Deus se deve orar, pois:
1) A oração é ato da religião, e é sabido que somente a Deus se presta culto religioso. Logo, só a Deus de deveria orar.
2) Além disso, seria inútil orar a quem desconhece a oração feita. Ora, parece que só Deus pode conhecer a oração, e assim é porque na maioria das vezes a oração é feita por ato interior, que só Deus conhece, como escreve São Paulo: “Orarei pelo espírito, orarei pela mente” (I Cor 14,15). Santo Agostinho também escreve: “Desconhecem os mortos, até os santos, as ações dos vivos, mesmo a dos seus filhos”.
3) Ademais, dirigimos as nossas orações aos santos porque eles estão unidos a Deus. Mas muitos dos que estão neste mundo ou no purgatório estão fortemente unidos a Deus pela graça, e, no entanto, a eles não dirigimos nossas orações. Então, nem aos santos deveríamos dirigi-las.
A isso, nos ensina Tomás:
É possível orar a alguém de dois modos:
1) Para que ele mesmo conceda o que se pede.
2) Para que consiga o que se pede de outro.
Pelo primeiro modo, só a Deus dirigimos a oração, porque todas as nossas orações devem ter por objeto conseguirem para nós a graça e a glória, e ambas só Deus pode conceder, como se lê no Salmo 83, 12: “Deus dará a graça e a glória”.
Porém, pelo segundo modo dirigimos as orações aos anjos e aos santos, não para que Deus as conheça mediante eles, mas para que devido aos seus pedidos e méritos, as nossas orações sejam eficazes. É por isso que se lê no livro do Apocalipse que “O perfume do incenso, isto é, da oração dos santos, subiu para Deus” (8, 4). Isto evidencia-se também pelo modo com que a Igreja ora. Pedimos à Santíssima Trindade que seja misericordiosa para conosco, mas aos santos pedimos que orem por nós.
Assim, podemos responder à objeções iniciais dizendo que:
1) Ao orar somente prestamos culto religioso àquele de quem desejamos conseguir alguma coisa pela oração, porque assim reconhecemos que é o autor dos bens que recebemos. Porém, não prestamos culto religioso a quem é apenas intercessor junto de Deus.
2) Os mortos, considerando-se a sua condição natural, desconhecem o que acontece neste mundo, sobretudo os sentimentos do coração. Porém, como escreve São Gregório, aos bem-aventurados lhes é manifestado no Verbo o que convém que eles conheçam daquilo que se passa a nosso respeito, e mesmo o que se refere aos sentimentos do coração. Sobretudo convém à excelência deles conhecerem os pedidos que lhes são feitos pela oração vocal ou pela oração interior. Por isso, conhecem os pedidos que lhes fazemos por revelação divina.
3) Finalmente, deve-se dizer que os que estão neste mundo ou no purgatório ainda não gozam da visão do Verbo, para que possam conhecer o que pensamos e falamos. Por isso, não lhes pedimos os seus sufrágios em nossas orações.
(Suma Teológica, II-II, q. 83, a.4)
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