Por Gustavo Corção
Para o individualista, o casamento é o epílogo de uma história de amor; para nós é o prólogo de uma história de amor. No primeiro caso o amor é exigente e se acerca do guichê nupcial para receber os juros; no segundo caso o amor é paciente e fecundo, e não procura o seu próprio interesse. Para o individualista o casamento é uma empresa que visa primordialmente a produção o lucro; para nós é uma empresa que visa primordialmente a produção. O individualista sonha obter no casamento um fruto e um descanso. Nós outros, na difícil medida em que bem servimos nosso ideal, queremos a aventura fecunda dos grandes descobridores: os noivos partem juntos numa nau armada para descobrir, colonizar e cristianizar terras desconhecidas. Enquanto os outros tiveram de batizar e de alfabetizar silvícolas que o acaso lhes entregara, os noivos terão de cuidar, lá para onde vão, dos ferozes aborígenes que eles mesmos geraram. Ao contrário do que pretendem os individualistas, o casamento para nós é a fundação de uma pequenina pátria, cristal formador da pátria maior comum. E se todos concordam que valha a pena dar a vida pela pátria comum, em que por acaso nascemos, por que não haveremos de dar a vida pela pátria pequenina que nós mesmos fundamos?
A todas essas coisas o divorcista responde com promessas de felicidade, e aparece, diante do público desprevenido, como o simpático paladino do amor humano. Mas na verdade o amor que eles exaltam é o amor próprio. Ai de quem ama de verdade dentro do casamento individualista! Não há nada mais penoso, mais humilhante do que a obrigação diária de representar o papel de esposa desagradável, diante de um cônjuge que, de repente, pode sair pela porta do divórcio. Suponhamos que seja a mulher a parte mais amorosa do casal. Ela tem de ser cautelosa, habilidosa, jeitosa, como mulher financiada. Não pode exercer a franca e leal oposição, que faz falta na família como na cidade. Não pode bater com o pé no chão sem que lhe caia a casa na cabeça. Não pode trazer para casa a mãe doente, porque Antônio não gosta. Não pode ser verídica, não pode ser ela mesma, porque tem de ser feliz. E não há pior e mais opressiva obrigação do que a de ser feliz. Na verdade, apesar da dialética sentimental dos divorcistas, o divórcio é contra o amor. E contra a felicidade. Há valorizações que desvalorizam. É fácil mostrar. Quando uma coisa é colocada acima de seu verdadeiro lugar, com primazia indevida, com altitude inadequada, o resultado inevitável é a degradação, a desmoralização daquilo mesmo que se pretendeu valorizar. Caindo na falsa elevação, tem-se achatada a coisa que se quis exaltada. Quem faz do prazer o pólo da vida acaba invariavelmente perdendo tudo: mas a primeira coisa que perde é o prazer. Assim também é a felicidade, que jamais, em esquema algum, pode ser colocada como objetivo primeiro e direto. Ai de quem traça esse lúgubre programa! Dia a dia, passo a passo, depois de haver experimentado casamentos sucessivos, depois de ter saboreado o mel de uma dúzias de luas, só lhe restará, como derradeira tentativa, a fórmula de Pascal.
Não digo que a felicidade não seja desse mundo. A suprema, que vem da visão de Deus, pertence efetivamente a uma ordem que só se realizará plenamente quando passar a figura deste mundo. Mas há uma outra, aqui e agora, que por aquela se configura. Genuína e boa, verídica e doce, a felicidade que anda pelo mundo é peregrina e esquiva. Ela foge, como para nos dizer que outro deve ser itinerário de nossa alma, e que lá a encontraremos. Ou como para nos dizer que ela é a gata borralheira, serva de outro objetivo, de outro pólo mais alto. Diretamente, não se alcança a felicidade. É uma loucura buscar a felicidade, perseguir, procurar a felicidade, fazer da felicidade o pólo primordial de qualquer ato humano. Ela existe, aqui e agora, mas só há um caminho verdadeiro para chegar onde ela está: o da generosidade esquecida de si mesma. O egoísta pensa que é tanto mais realista quanto mais egoísta. Mas é apenas um equivocado inimigo de si mesmo. Terá prazeres, cada vez mais breves e mais exigentes. Mas não alcança a paz, que só a generosidade a dedicação podem dar. O mundo moderno, na agonia das estruturas de egoísmo doutrinariamente construídas, e vividas por quatro séculos de civilização individualista, procura a paz e a felicidade onde jamais poderá encontra-la. Só falta aos homens angustiados de nosso tempo descobrir que é no dom de si mesmos que está o grande segredo da vida.
Não se diga portanto que nossa doutrina sobre o casamento, com sua acentuação de generosidade social, não toma conhecimento das exigências do amor humano e dos anseios de felicidade. Subordinando-os ao bem, ao ato generoso, à doação, à dedicação, ao serviço, nós colocamos o amor e a felicidade nos seus verdadeiros lugares e, por conseguinte, nós os exaltamos. No fundo, somos nós que cuidamos verdadeiramente do fim secundário do casamento. Somos nós que defendemos o real interesse dos cônjuges. Os divorcistas, ao contrário, fazem a demagogia da felicidade e do amor.
Fonte: Claro Escuro - Livraria AGIR Editora, 2a. Edição - Coleção Família
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