Meditação das Dores de
Nossa Senhora de Santo Afonso Maria Ligório
Primeira Dor – A profecia
de Simeão.
Tuam ipsius animam pertransibit gladius ―
"Uma espada transpassará a tua alma" (Luc. 2, 35).
Sumário. O Senhor usa esta compaixão conosco, de
não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, afim de que as tenhamos de sofrer
uma só vez. Maria Santíssima, ao contrário, depois da profecia de São Simeão,
tinha sempre diante dos olhos e padecia continuamente todas as penas que a
esperavam na Paixão do Filho. Mas se Jesus e Maria inocentes tanto padeceram
por nosso amor, como ousaremos lamentar-nos, nós que somos pecadores, quando
temos de padecer um pouco por amor deles?
I. Neste vale de lágrimas, cada homem nasce para
chorar e cada um deve padecer sofrendo aqueles males que diariamente lhe
acontecem. Mas quanto mais triste seria a vida, se cada um soubesse também os
males futuros que o têm de afligir! O Senhor usa esta compaixão conosco, de não
nos deixar ver as cruzes que nos esperam, afim de que, se as temos de padecer,
ao menos as padeçamos uma só vez. ― Mas Deus não usou semelhante compaixão para
com Maria, a qual, porque Deus quis que fosse Rainha das dores e toda
semelhante ao Filho, teve sempre de ver diante dos olhos e de padecer
continuamente todas as penas que a esperavam; e estas foram as penas da paixão
e morte de seu amado Jesus.
Eis que no templo de Jerusalém, Simeão, depois de
ter recebido o divino Infante em seus braços, lhe prediz que aquele seu Filho
devia ser alvo de todas as contradições e perseguições dos homens e que por
isso a espada de dor devia traspassar-lhe a alma: Et tuam ipsius animam
pertransibit gladius. ― Davi, no meio de todas as suas delícias e grandezas
reais, quando ouviu que o Profeta Natan lhe anunciava a morte do filho, não
tinha mais paz: chorava, jejuava, dormia à terra nua. Não é assim que fez
Maria. Com suma paz recebeu ela a nova da morte do Filho e com a mesma paz
continuou a sofrê-la; mas ainda assim, que dor não devia sentir o seu Coração!
Nem serviu para lh’a mitigar o conhecimento que já
de antemão tinha do sacrifício a fazer, pois que, como foi revelado a Santa
Teresa, a bendita Mãe conheceu então em particular e mais distintamente todas
as circunstâncias dos sofrimentos, tanto exteriores como interiores, que haviam
de atormentar o seu Jesus na sua Paixão. Numa palavra, a mesma Bem-Aventurada
Virgem disse a Santa Matilde, que a este aviso de São Simeão toda a sua alegria
se converteu em tristeza.
II. A dor de Maria não achou alívio com o correr
do tempo; ao contrário, ia sempre aumentando, à medida que Jesus, crescendo em
sabedoria, em idade e em graça, junto de Deus e junto dos homens (1), se
tornava mais amável aos olhos de sua Mãe, e se avisinhava mais o tempo da sua
amargosa Paixão. Eis o que a própria divina Mãe revelou a Santa Brígida:
"Cada vez que eu olhava para meu Filho, sentia o meu coração oprimido de
nova dor e enchiam-se meus olhos de lágrimas".
Ruperto abade contempla Maria dizendo ao Filho
enquanto o alimentava: "Fasciculus myrrhae dilectus meus mihi; inter ubera
mea commorabitur (2). Ah, Filho meu, eu te aperto entre meus braços porque
muito te amo; mas quanto mais te amo, tanto mais para mim te transformas em
ramalhete de mirra e de dor, pensando em tuas penas. Tu és a fortaleza dos
Santos, e um dia entrarás em agonia; és a beleza do paraíso, e um dia serás
desfigurado; és o Senhor do mundo, mas um dia serás preso como um réu; és o
Criador do universo, mas um dia te verei lívido pelas pancadas; numa palavra,
tu és o Juiz de todos, a glória dos céus, o Rei dos reis, mas um dia serás
sentenciado, desprezado, coroado de espinhos, tratado como rei de escárnio e
pregado num infame patíbulo. E eu, que sou tua Mãe, eu, que te amo mais que a
mim mesma, terei de ver-te morrer de dor, sem te poder dar o menor alívio: Fasciculus
myrrhae dilectus meus mihi ― O meu amado é para mim um ramalhete de mirra".
Se, pois, Jesus, nosso Rei, e Maria, nossa Mãe,
bem que inocentes, não recusaram por nosso amor padecer durante toda a sua vida
uma pena tão atroz, não é justo que nós nos lamentemos, se padecemos um pouco;
nós que porventura muitas vezes temos merecido o inferno. (*I 232)
----------
1. Luc. 2, 52.
2. Cant 1, 12.
(Santo Afonso Maria de
Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o
primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder &
Cia, 1921, p. 295-297.)
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