Meditação das Dores de Nossa Senhora de
Santo Afonso Maria Ligório
Segunda dor de Maria Santíssima – Fugida
para o Egito.
Accipe puerum et matrem eius, et fuge in Aegyptum – “Toma o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito” (Matth. 2, 13).
Sumário. A profecia de São Siemão acerca da Paixão
de Jesus e das dores de Maria começou desde logo a realizar-se na fugida que
teve de fazer para o Egito, a fim de subtrair o Filho à perseguição de Herodes.
Pobre Mãe! Quanto não devia ela sofrer tanto na viagem como durante a sua
permanência naquele país entre os infiéis! Vendo a Sagrada Família na sua
fugida, lembremo-nos que nós também somos peregrinos sobre a terra. Para
sentirmos menos os sofrimentos do exílio, à imitação de São José tenhamos
conosco no coração a Jesus e Maria.
I. Como cerva, que ferida pela flecha, aonde vai
leva a sua dor, trazendo sempre consigo a flecha que a feriu; assim a divina
Mãe, depois da profecia funesta de São Simeão, levava sempre consigo a sua dor
com a memória contínua da paixão do Filho. Tanto mais, que aquela profecia
começou desde logo a realizar-se na fugida que o Menino Jesus teve de fazer
para o Egito, afim de se subtrair à perseguição de Herodes: Surge et accipe
puerum et matrem eius et fuge in Aegyptum – “Levanta-te, toma o Menino e
sua Mãe, e foge para o Egito.”
Que pena, exclama São João Crisóstomo, devia causar
ao Coração de Maria, o ouvir a intimação daquele duro exílio com seu Filho! “Ó
Deus”, disse então Maria suspirando, como contempla o Bemaventurado Alberto
Magno, “deve, pois fugir dos homens aquele que veio a salvar os homens?”
Cada um pode considerar quanto padeceu a Santíssima
Virgem naquela viagem. A estrada, conforme à descrição de São Boaventura, era
áspera, desconhecida, cheia de bosques, pouco frequentada, e sobretudo muito
longa, de modo que a viagem foi ao menos de trinta dias. O tempo era de
inverno; por isso tiveram de viajar com neves, chuvas e ventos, por caminhos
arruinados cheios de lama, sem terem quem os guiasse ou servisse. Maria tinha
então quinze anos, e era uma donzela delicada, não acostumada a semelhantes
viagens. Que dó fazia ver aquela Virgenzinha com o Menino nos braços e
acompanhada somente de São José!
Pergunta São Boaventura: Quomodo faciebant de
victu? Ubi nocte quiescebant? – “De que alimentavam-se? Onde passavam as
noites?” E de que outra coisa podiam alimentar-se, senão de um pedaço de pão
duro, trazido por São José, ou mendigado? Onde deviam dormir, especialmente no
extenso deserto pelo qual deviam passar, senão sobre a terra, ao relento, com
perigo de ladrões ou de feras em que abunda o Egito? Oh! Quem tivera encontrado
aqueles três grandes personagens, por quem as haveria então reputado senão por
três pobres mendigos e vagabundos?
II. Opina Santo Anselmo que os santos peregrinos no
Egito habitaram a cidade de Heliópolis. Considere-se aqui a grande pobreza em
que deviam viver nos sete anos que ali permaneceram, como afirma Santo Antônio
com Santo Tomás e outros. Eram estrangeiros, desconhecidos, sem rendimentos,
sem dinheiro, sem parentes. Como diz São Basílio, chegaram com dificuldade a
sustentar-se com os seus pobres trabalhos. Escreve Landolfo de Saxônia (e isto
seja dito para consolação dos pobres), que Maria se achava em tão grande
pobreza, que algumas vezes não tinha nem sequer um pouco de pão, que o Filho
lhe pedia, obrigado pela fome.
Ver assim Jesus, Maria e José andarem fugitivos,
peregrinando por este mundo, ensina-nos que também devemos viver nesta terra
como peregrinos, sem que nos apeguemos aos bens que o mundo oferece, pois que
em breve os havemos de deixar e de ir para a eternidade: Non habemus hic
manentem civitatem, sed futuram inquirimus (1) – “Não temos aqui cidade
permanente, mas procuramos a futura”. Demais, ensina-nos que abracemos as
cruzes, já que neste mundo não se pode viver sem cruz. – A Bemaventurada
Verônica de Binasco, Agostiniana, foi levada em espírito a acompanhar Maria com
o Menino Jesus na viagem ao Egito, finda a qual lhe disse a divina Mãe: “Filha,
acabas de ver com quantas fadigas chegamos a este país; sabe, pois, que ninguém
recebe graças sem padecer.”
Quem deseja sentir menos os trabalhos desta vida,
deve, à imitação de São José, tomar consigo Jesus e Maria: Accipe puerum et
matrem eius – “Toma o Menino e sua Mãe”. A quem pelo amor traz no
coração este Filho e esta Mãe, se lhe tornam leves, quiçá doces e estimáveis,
todas as penas. Amemo-los, pois, e consolemos a Maria acolhendo o seu Filho
dentro dos nossos corações, que ainda hoje é continuamente perseguido pelos
homens com os seus pecados. (*I 235.)
----------
1. Hebr. 13, 14.
(Santo Afonso Maria de Ligório.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro
Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p.
313-316.)
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário