Meditação das Dores de Nossa Senhora de Santo
Afonso Maria Ligório
Terceira
Dor de Maria Santíssima – Perda de Jesus no templo.
Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te ― "Eis que teu pai e eu Te andávamos buscando cheios de
aflição" (Lc 2, 48).
Sumário. A dor de
Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então
sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha
apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de
conforto nas desolações espirituais; e ensine-nos o modo de buscarmos a Deus,
se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-Lo por nossa culpa. Lembremo-nos,
porém, de que quem quiser achar a Jesus, não O deve buscar entre os prazeres e
delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o
procurou.
I. Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser
privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz,
muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes
que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a
pena de O não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi
feito digno de achar no amor a doce presença do supremo Bem, ó Deus! Que
tristeza sente em ver-se dela privado.
Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a
gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a
terceira espada que a feriu, quando, havendo-O perdido em Jerusalém, por três
dias se viu dele separado. ― Alguns escritores opinam que esta dor não foi
somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a
maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de
Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus
se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão
aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos,
cheios de amargura e de lágrimas.
Num quem diligit anima mea vidistis? (1) ― "Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?"
É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda
a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem O ter achado, oh, com quanto
maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non
comparet, et ego quo ibo? (2) ― "O menino não aparece, e eu para
onde irei?" O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer
para o achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! Cara luz
de meus olhos: faze-me saber onde estás, afim de que eu não ande mais errando e
buscando-Te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta santa
Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus, que qualquer outro
mártir no tormento que o privou da vida.
II. Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve
servir de conforto àquelas almas que estão desoladas e não gozam a doce presença
de seu Senhor, gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como
chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem perdido a
divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a Santa Teresa:
"Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem querer ser
enganado". ― Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o ama, nem por
isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para ser por ela buscado
com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a Jesus, é preciso que o busque,
não entre as delícias e os prazeres do mundo, mas entre as cruzes e
mortificações, como o buscou Maria: Dolentes quaerebamus te ― "Nós
Te andávamos buscando cheios de aflição".
Além disso, neste mundo não devemos buscar outro
bem senão Jesus. Jó não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que
possuía neste mundo, até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também
então era feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que
perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais
deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais Deus diz:
Vos non populus meus, et ego non ero vester (3) ― "Vós não sois
meu povo, e eu não serei mais vosso".
Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz
Santo Agostinho, é que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem
uma ovelha, não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm
mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e ficam
quietos. ― Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha desgraça eu também
perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos méritos das vossas dores,
fazei que eu depressa o vá buscar e o ache, para nunca mais tornar a perdê-Lo
em toda a eternidade. (*I 238.)
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1. Cant. 3, 3.
2. Gen. 37, 30.
3. Os. 1, 9.
(Santo Afonso Maria de Ligório.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro
Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p.
352-355.)
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