A IMITAÇÃO DE CRISTO - TOMAS DE KEMPIS
LIVRO TERCEIRO
CAPÍTULO 30
Como
se há de pedir o auxílio divino e confiar para recuperar a graça
1. Jesus: Filho, eu sou o Senhor, que te
conforta no dia da tribulação (Na 1,7). Vem a mim quando te achares aflito. O
que mais te impede de receber a consolação é que tarde recorres à oração. Antes
que ores com atenção, procuras consolar-te, recreando-te com vários
divertimentos exteriores. Daqui vem que pouco proveito tiras de tudo, até que
conheças que sou eu quem salva do perigo os que em mim esperam, e que
fora de mim não há auxílio valioso, nem conselho útil, nem remédio durável. Uma
vez, porém, que recobraste alento depois da tempestade, procura readquirir
forças à luz das minhas misericórdias; pois estou perto, diz o Senhor, para
tudo restaurar, não só com integridade, mas também com abundância e
profusão.
2. Porventura há para mim alguma coisa
dificultosa (Jer 32,37), ou sou semelhante àquelas que dizem e não fazem? Onde
está a tua fé? Tem firmeza e segurança! Mostra-te corajoso e magnânimo, e a seu
tempo te virá a consolação. Espera por mim, espera! Virei e te curarei. É
tentação o que te atormenta, é temor vão o que te assusta. Que ganhas com a
solicitude de um futuro contingente, senão que tenhas tristeza sobre tristeza?
A cada dia basta seu fardo (Mt 6,34). Coisa vã e inútil é entristecer-se ou
regozijar-se com as coisas futuras, que talvez nunca venham a realizar-se.
3. É próprio do homem deixar-se iludir por tais
imaginações, mas é sinal de pouco ânimo ceder tão facilmente às sugestões do
inimigo. A ele pouco importa se é por meios verdadeiros ou falsos que te seduz
e engana, se é com amor dos bens presentes, ou com o temor dos males futuros
que te deita a perder. "Não se perturbe, pois, teu coração, nem se
amedronte" (Jo 14,27). Crê em mim, e tem confiança em minha misericórdia.
Quando te julgas muito longe de mim, mais perto estou, às vezes, de ti. Quando
pensas que está tudo quase perdido, muitas vezes está próxima a ocasião de
granjeares maior merecimento. Nem tudo está perdido, por te acontecer alguma
contrariedade. Não julgues pela impressão do
momento, nem te aflijas com
qualquer tribulação, venha donde vier, como se não houvesse esperança de
remédio.
4. Não te julgues inteiramente desamparado,
ainda quando, de tempos a tempos, te mando alguma tribulação ou te privo de alguma
consolação desejada; porque é este o caminho por onde se vai ao reino dos céus.
E isto, sem dúvida, convém mais a ti e a todos os meus servos, serdes
exercitados nas adversidades, do que se tudo vos sucedesse à vossa vontade. Eu
conheço os pensamentos escondidos, e sei que muito importa à tua salvação seres,
às vezes, privado de toda consolação espiritual, para que não te exalte o bom
progresso e te desvaneças do que não és. O que dei posso tirar, e dar de novo,
quando me aprouver.
5. É sempre meu o que dou, e quando o tiro; não
tomo coisa tua, pois "de mim procede qualquer dádiva boa de todo dom
perfeito" (Tg 1,17). Se eu te enviar qualquer pena ou contrariedade, não
te revoltes nem desfaleça teu coração; eu posso num momento aliviar-te e
transformar tua mágoa em alegria. Todavia, procedendo eu assim para contigo,
sou justo e digno de louvor.
6. Se refletires bem e julgares as coisas
segundo a verdade, não deves afligir-te tanto com a adversidade, nem desanimar,
mas, ao contrário, alegrar-te e dar-me graças. Até deve ser tua única alegria
que eu te aflija com dores, sem poupar-te. Assim como meu Pai me amou, também
eu vos amo a vós (Jo 15,19), disse eu a meus diletos discípulos, e,
entretanto, não os enviei às delícias temporais, mas às grandes pelejas, não às
honras, mas aos desprezos, não aos passatempos, mas sim a produzir fruto
copioso na paciência. Meu filho, lembra-te bem destas palavras.
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