É em 1806 que começa a história da Medalha Milagrosa. Enquanto a França e a
Europa eram conturbadas pela expansão de Napoleão Bonaparte e da revolução,
nascia uma menina destinada a uma Divina Missão: Santa Catarina Labouré.
Precocemente órfã de mãe, se encomenda à Santíssima Virgem, que não a
desamparará. Sua vocação às Filhas da Caridade se revela de maneira
sobrenatural, quando sonha com um padre que mantém os olhos fixos nela ao falar
sobre os desígnios de Deus sobre ela. Tempos depois, deparando-se com um quadro
no Parlatório das Filhas da Caridade, descobre tratar-se daquele mesmo padre
que lhe falara em sonho, São Vicente de Paulo, fundador daquela Congregação.
Aos 23 anos entra para o Postulantado e é agraciada com aparições do Coração de
seu fundador, relacionadas, em diferentes momentos, à inocência, à expansão de
sua comunidade e a uma funesta mudança no governo. Seu confessor, entretanto,
lhe aconselha a não dar atenção àquilo. Seguem-se a essas, as aparições que
Nosso Senhor lhe concedia no Santíssimo Sacramento, que, enquanto lhe
preparavam a alma para as aparições vindouras, tornavam a revelar-lhe o
despojamento das vestiduras reais do “Rei da Terra”, pelas insídias
revolucionárias.
Cerca de
um mês depois, na festa de São Vicente (19 de julho), Santa Catarina com as
outras noviças recebe um pedaço de linho do Santo, que ela ingere, adormecendo
na esperança de ver, por intercessão dele, a Santíssima Virgem. Ela narra a
primeira aparição de 18 de julho de 1830 nos seguintes termos:
“Enfim, às onze e meia da
noite, ouvi que me chamavam pelo nome: –‘Minha irmã! Minha irmã!’ Acordando,
corro a cortina e vejo um menino de quatro a cinco anos vestido de branco, que
me diz: –‘Vinde à capela; a Santíssima Virgem vos espera’.
Vesti-me depressa e me
dirigi para o lado do menino que permanecera de pé. Eu o segui sempre à minha
esquerda. Por todos os lugares onde passávamos, as luzes estavam acesas, o que
me espantava muito. Porém, muito mais surpresa fiquei, quando entrei na Capela:
a porta se abriu mal o menino a tocou com a ponta do dedo. E a minha surpresa
foi ainda mais completa quando vi as velas e castiçais acesos, o que me
recordava a missa de meia-noite. Por fim, chegou a hora. O menino me preveniu:
–‘Eis a Santíssima Virgem. Ei-la’. Eu ouvi como um som de vestido de seda, que
vinha do lado da tribuna, perto do quadro de São José, e que pousava sobre os
degraus do altar, do lado do Evangelho, sobre uma cadeira igual à de Sant’Ana.
Nesse momento, olhando
para a Santíssima Virgem, dei um salto para junto dEla, pondo-me de joelhos
sobre os degraus do altar e com as mãos apoiadas sobre os joelhos da Santíssima
Virgem. Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível
exprimir tudo o que senti.
Ela disse: –‘Minha filha,
o bom Deus quer encarregar-vos de uma missão. Tereis muito que sofrer, mas
superareis estes sofrimentos pensando que o fareis para a glória do bom Deus.
Sereis contraditada, mas tereis a graça; não temais. Sereis inspirada em vossas
orações. Os tempos são muito maus, calamidades virão precipitar-se sobre a
França. O trono será derrubado. O mundo inteiro será transtornado por males de
toda ordem (ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha um ar muito penalizado).
Mas vinde ao pé deste altar, aí as graças serão derramadas sobre todas as
pessoas grandes e pequenas, particularmente sobre aquelas que as pedirem. O
perigo será grande, entretanto não temais, o bom Deus e São Vicente protegerão
a comunidade. Minha filha, eu gosto de derramar graças sobre a comunidade em
particular. Eu a aprecio muito. Sofro porque há grandes abusos na regularidade.
As Regras não são observadas. Há grande relaxamento nas duas comunidades.
Dizei-o àquele que está encarregado de uma maneira particular da comunidade. Ele
deve fazer tudo o que lhe for possível para repor a regra em vigor. Dizei-lhe,
de minha parte, que vigie sobre as más leituras, as perdas de tempo e as
visitas.
Conhecereis minha visita
e a proteção de Deus e de São Vicente sobre as duas comunidades. Mas não se
dará o mesmo com outras congregações. Haverá vítimas (ao dizer isto, a
Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos). Para o clero de Paris haverá
vítimas: Monsenhor, o Arcebispo (a esta palavra, lágrimas de novo).
Minha filha, a Cruz será
desprezada e derrubada por terra. O sangue correrá. Abrir-se-á de novo o lado
de Nosso Senhor. As ruas estarão cheias de sangue. Monsenhor, o Arcebispo, será
despojado de suas vestes (aqui a Santíssima Virgem não podia mais falar; o
sofrimento estava estampado em sua face). –‘Minha filha –dizia-me Ela– o mundo
todo estará na tristeza.’
A estas palavras, pensei
quando isto se daria. Eu compreendi muito bem… quarenta anos.”
De fato, quarenta anos depois, em 1870, deu-se a guerra franco-prussiana e a
Comuna de Paris, cumprindo-se o
que foi predito (e, antes disto, o destronamento de Carlos X, a expansão do
anti-clericalismo e a proteção das Filhas da Caridade. Posteriormente, Luís
Felipe, rei ilegítimo posto pela revolução no trono, foi por ela destronado. O
próximo revolucionário no poder seria Luís Napoleão, que dá um golpe de Estado,
passando a chamar-se Napoleão III). As predições se confirmam também com o
derramamento de sangue de tantas vítimas, como dissera Nossa Senhora, em
especial com o assassinato do Arcebispo de Paris pela Comuna.
Voltemos a 1830, quando ocorreu a segunda aparição quatro meses após a
primeira, como narra Santa Catarina:
“No dia 27 de novembro de
1830, vi a Santíssima Virgem, de estatura média, estava de pé, trajando um vestido
de seda branco-aurora feito à maneira que se chama ‘a la Vierge’, mangas lisas
com um véu branco que Lhe cobriu a cabeça e descia de cada lado até embaixo.
Sob o véu, vi os cabelos
lisos repartidos ao meio e por cima uma renda de mais ou menos três centímetros
de altura, sem franzido, isto é, apoiada ligeiramente sobre os cabelos. O rosto
bastante descoberto. Os pés apoiados sobre meia esfera, e tendo nas a mãos uma
esfera de ouro, que representava o Globo. Ela tinha as mãos elevadas à altura
do estômago de uma maneira muito natural, e os olhos elevados para o céu. Aqui
seu rosto era magnificamente belo. Eu não saberia descrevê-lo. E depois, de
repente, percebi nesses dedos anéis revestidos de pedras, umas mais belas que
as outras, umas maiores e outras menores, que lançavam raios cada qual mais
belo que os outros. Partiam das pedras maiores os mais belos raios, sempre
alargando para baixo, o que enchia toda a parte de baixo. Eu não via mais os
seus pés.
Nesse momento em que
estava a contemplá-la, a Santíssima Virgem baixou os olhos, fitando-me. Uma voz
se fez ouvir, dizendo-me estas palavras: –‘A esfera que vedes representa o
mundo inteiro, particularmente a França e cada pessoa em particular.’
Aqui eu não sei exprimir
o que senti e o que vi, a beleza e o fulgor, os raios tão belos. –‘É o símbolo
das graças que derramo sobre as pessoas que mas pedem’, fazendo-me compreender
quanto é agradável rezar à Santíssima Virgem e quanto Ela é generosa para com
as pessoas que a Ela rezam, quantas graças concede às pessoas que Lhas rogam,
que alegria Ela sente concedendo-as. Nesse momento, formou-se um quadro em
torno da Santíssima Virgem, um pouco oval, onde havia no alto estas palavras:
‘Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós’, escritas em
letras de ouro. Então uma voz se fez ouvir, que me disse: –‘Fazei, fazei cunhar
uma medalha com este modelo. Todas as pessoas que a usarem receberão grandes
graças, trazendo-a ao pescoço. As graças serão abundantes para as pessoas que a
usarem com confiança.’ Nesse instante, o quadro me pareceu se voltar, onde vi o
reverso da medalha. Preocupada em saber o que era preciso pôr do lado reverso
da medalha, após muitas orações, um dia, na meditação, pareceu-me ouvir uma voz
que me dizia: ‘O M e os dois Corações dizem o suficiente’”.
Em dezembro de 1830, aconteceu a terceira e última aparição, na qual Nossa
Senhora traz a mesma vestimenta e o globo de ouro encimado por uma cruz. Dos
mesmos anéis ornados de pedras preciosas, jorra, com intensidade diversas, a
mesma luz. Conta Santa Catarina:
“–‘Dizer-vos o que senti
e tudo quanto compreendi no momento em que a Santíssima Virgem oferecia o Globo
a Nosso Senhor é impossível de exprimir.’
Como estivesse ocupada em
contemplar a Santíssima Virgem, uma voz se fez ouvir no fundo de meu coração:
–‘Estes raios são símbolo das graças que a Santíssima Virgem obtém para as
pessoas que Lhas pedem’.
Estava eu cheia de bons
sentimentos quando tudo desapareceu, como algo que se apaga, e eu fiquei
repleta de alegria e consolação”.
A cunhagem das primeiras medalhas, apesar da incredulidade inicial do confessor
da santa, acontece 2 anos depois, graças ao encorajamento do Arcebispo de
Paris, Monsenhor de Quélen. Nesse momento, estala uma cruel epidemia de cólera,
que dizima a população de Paris. Quando essa recua, a cunhagem das medalhas
pode começar e, então, se inicia o esplendoroso cortejo de milagres.
Dentre os inumeráveis casos, se encontra o de uma menina, único em sua classe a
não usar a medalha e a ser atacada pela epidemia, recuperando-se após a
imposição da medalha. Também em Meaux, uma senhora às vésperas de dar à luz e
já desenganada, se vê com sua criancinha totalmente curada. Outro prodígio foi
o ocorrido com um militar de Alençon, que prestes a falecer respondia com
blasfêmias e insultos a todos os incitamentos à conversão que lhe dirigiam o
capelão e as religiosas. Quando ninguém mais esperava sua conversão, uma freira
havia prendido ao leito uma Medalha Milagrosa. E seis dias depois, o militar
declara não querer morrer naquele estado e pede um padre para ouvi-lo em
confissão. A conversão do prefeito de Poitiers
em 1837, quando estava totalmente longe de Deus e à beira da morte.
Dentre os mais admiráveis casos, se encontra a conversão do jovem banqueiro
Afonso Ratisbonne, em 1842, judeu de raça e religião, crítico do Catolicismo.
Encontrando-se em Roma, por imposição de um amigo seu, o barão de Bussières,
aceita levar a medalha ao pescoço e rezar o Memoraretodos os dias.
Quatro dias depois, ao esperar esse mesmo amigo na igreja de Sant`Andrea delle
Fratte, por ocasião de assuntos que o mesmo tratava no Convento anexo, tem uma
visão de Nossa Senhora, diante de quem de ajoelha. Pelo olhar que ele lhe
dirigiu, ele afirma: “–Compreendi tudo”. Ele, que era judeu e
noivo, converte-se ao Catolicismo e torna-se sacerdote jesuíta.
Entretanto, ninguém, nem mesmo a Superiora do Convento da Rue du Bac, nem
mesmo o Papa, sabia quem era a religiosa por Nossa Senhora escolhida para
canal de tantas graças. Exceto o Pe. Aladel, que a tudo envolvia no anonimato.
Santa Catarina, por humildade, manteve durante toda sua vida uma absoluta
discrição, jamais deixando transparecer o celeste privilégio de que fora
objeto. Para ela importava apenas a difusão da Medalha: era sua missão e estava
cumprida! Santa Catarina Labouré faleceu a 31 de dezembro de 1876, na mais
profunda humildade, sem que soubessem ser ela a vidente a quem o Céu tinha
outorgado tão copiosas graças. Seu corpo, exumado mais de sessenta anos após
sua morte, é encontrado intacto até hoje, conservando-se serenos e brilhantes
os olhos que contemplaram a Santíssima Virgem.
Fonte: Familia Beatae Mariae Virginis
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