Eminência 1,
Meus senhores,
Meus senhores,
Aprouve a Deus, em Sua
sabedoria, que o ser humano viesse ao mundo e se multiplicasse por intercessão
recíproca do homem e da mulher, destas duas criaturas indissoluvelmente unidas
por sua livre vontade. Daí, estas duas palavras importantes do Genesis: crescite
et multiplicamini2. Digamos só algumas palavras da sua importância para
insistirmos sobre os seus deveres.
Quem falará da importância da
paternidade? Na ordem da natureza, não há outra mais elevada; fica-se
deslumbrado quando se pensa nisto. O poder de criar, de tirar do nada, de fazer
do nada alguma coisa; este privilégio sublime, que só pertence a Deus; este
poder, que está acima de todos os poderes; este atributo, que é o caráter
próprio do soberano Senhor de todas as coisas; este poder de dar a vida, e que
acreditávamos incomunicável, foi da vontade de Deus concedê-lo ao homem.
É Ele, sem dúvida, que conserva
a Sua propriedade radical, e o homem não age independentemente, mas sim por um
poder comunicado; mas comunicado com tal liberalidade, que seriamos tentado a
dizer: com que imprudência! Parece que Deus se desapossou, que se privou a Si
próprio desse poder da vida, para o deixar, para sempre, à vontade do homem.
Poderia Ele elevar o homem a maior altura, dar-lhe um dom natural
mais sublime, mais admirável, que ultrapasse a divindade? ego dixi: dii estis3; (eu vos digo: sois deuses).
mais sublime, mais admirável, que ultrapasse a divindade? ego dixi: dii estis3; (eu vos digo: sois deuses).
Desde a origem do mundo, o nome
de pai é o mais belo, o mais santo, depois do nome de Deus. Divino, por sua origem e
natureza, pois que o nome de pai representa a própria autoridade do poder
criador e da vida dada; é ainda o alicerce do primeiro império estabelecido
entre os homens - o império doméstico; e ficou sempre como o tipo do que há de
mais venerável.
Quanto ao homem, queriam mostrar
a importância que davam a uma dignidade, a uma instituição, a um serviço
prestado; recorriam a esta palavra, para tomarem alguma coisa de sua aureola e
majestade. Para exprimirem o que têm de mais caro, depois da família, e que não
é senão uma extensão dela, dizem: a pátria. Para honrarem certos homens dentre
todos os outros, deram-lhes o nome de pais da pátria, pais do povo, pais
conscritos, patriarcas.
A própria religião, para
glorificar ou caracterizar o que tinha de mais grandioso e de mais sublime, não
achou palavra mais bela, e disse: pais da fé, pais do deserto, pais dos
concílios, pais da Igreja, pais das almas, pais espirituais. Deu-se este nome
ao próprio chefe da Igreja: Papa, que significa pai.
Que digo eu? Quando o Filho de
Deus quis ensinar-nos a rezar, não achou nome mais augusto, para colocar nos
lábios, do que o de «Padre-Nosso», para mostrar ao mesmo tempo que Deus não tem
prerrogativa mais sublime, e que toda a paternidade dimana d'Ele: Unus
Deus et Pater omnium4.
Não! nada, sobre a terra, é mais
nobre do que a paternidade humana, pois que nela encontram-se, ao mesmo tempo,
a comunicação da paternidade divina, a origem, o modelo de toda a autoridade,
de todo bem, de toda a grandeza, e como que uma expansão misteriosa do próprio
sacerdócio.
Sim! o pai é padre em toda a
extensão do termo, e só ele o era no principio: regale sacerdotium5. É por
isso que a religião sempre reconheceu ao pai o direito e o poder de abençoar.
Os pagãos não abençoavam. Enéas
transporta, das ruínas de Tróia, o seu velho pai, às costas; e seu pai, quando
morre, não o abençoa. As palavras de Heitor a seu filho, nos braços de
Andrômaca, são heróicas, mas não o abençoa.
Priamo, o mais sublime dos pais
da antiguidade, não abençoara Heitor antes do combate.
Mas entre o povo de Deus,
Abraão, Isaac, Jacob, e os patriarcas de todos os tempos abençoaram seus
filhos. Entre todos os povos cristãos, nos tempos de fé, os pais abençoavam
seus filhos em ocasiões graves e solenes, pelo menos à hora da morte; como Deus
o havia feito ao primeiro homem, e Jesus Cristo aos Seus apóstolos, quando
subiu ao céu.
Ainda hoje se vê pais abençoarem
os filhos, por exemplo, na ocasião da sua primeira comunhão, e esta bênção,
emanando do coração de um pai sobre seus filhos, volta, de novo, ao coração
paterno, e torna-se, para ele mesmo, uma bênção de Deus. É verdadeiramente um
sacerdócio, em que o pai sente uma dessas emoções poderosas, que comovem até ao
mais íntimo da alma.
A emoção ainda é mais forte,
para os que se sentem menos dignos de uma função tão pura. Já se viu pais recusarem
obstinadamente a bênção a seus filhos e exclamarem: Não, não! não posso! Em
seguida, cederem, e tendo dado a bênção, derramarem lágrimas, que depois não
podiam estancar.
Ah! Meus senhores, qualquer que
seja o estado de um homem, por mais baixo que tenha descido, há alguma coisa
que o eleva, e se torna, para ele mesmo, a fonte inesgotável dos mais nobres
sentimentos - a consciência de ser pai.
Tem-se visto pais recuperarem,
em presença dos filhos e num instante, toda a dignidade e respeito de si mesmos,
que o mal lhes havia feito perder, e tornarem-se bons, castos, justos, crentes
e cristãos!
E se acontece - pois, na
humanidade, que é livre, dá-se o contraste espantoso de haver santos e de haver
miseráveis, - se acontece, repito, que um homem calque aos pés o seu dever de
pai e volva contra seu próprio filho esse poder de amor, de proteção física e
moral, levanta-se um grito de indignação e de espanto! Este pai desnaturado,
que assim procede, é incluído, por unanimidade, na classe dos monstros... A grandeza
de sua queda, ainda mostra melhor a altura de que caiu, e qual é a nobreza o
sacerdócio real do pai que não pode recusar o seu diadema sem cair
completamente e causar horror! ...
Há perdão para tudo; e a alegria
do padre é apagar tais iniquidades; mas é preciso o poder infinito do sangue
redentor, para lavar tais manchas e levantar de tais quedas! ...
Notas:
1- S.
E. o Cardeal Arcebispo de Paris presidia à Reunião.
2- Genesis
VIII, 17 “Crescei e multiplicai-vos.”
3- Salmo,
XXXI, 6.
4- Epístola
aos Efésios, IV. 6. “Um só Deus e Pai de todos.”
5- Epístola
de S. Pedro, II, 6. “Sacerdote real.”
Fonte: A Grande Guerra
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