(Cristo libertando os justos do seio de Abraão) |
Parece que Cristo, com sua descida aos infernos, libertou
as almas do purgatório:
1. Na verdade, diz Agostinho: “Como evidentes
testemunhos fazem menção dos infernos e de suas dores, nenhum motivo existe que
nos leve a acreditar que o Salvador para lá tenha descido senão de o livrar
dessas dores não sei se todos os que lá encontrou ou se alguns que considerou
dignos desse benefício. Não tenho dúvidas, porém, de que Cristo desceu aos
infernos e concedeu esse benefício aos que sofriam com suas dores”. Mas
não concedeu o benefício da libertação aos condenados, como foi dito acima (a.
6). Ora, além deles não há mais ninguém a suportar as dores da pena senão os
que estão no purgatório. Logo, Cristo libertou as almas do purgatório.
2. Além disso, a própria presença da alma de
Cristo não teve um efeito menor que o de seus sacramentos. Ora, pelos
sacramentos de Cristo, libertam-se as almas do purgatório, principalmente
pelo sacramento da Eucaristia. Logo, com mais razão, as almas foram libertadas
do purgatório pela presença de Cristo, que desceu aos infernos.
3. Ademais, diz Agostinho que Cristo curou de
modo completo todos os que curou nesta vida. E diz também o Senhor no Evangelho
de João: “Curei completamente um homem num dia de sábado” (7, 23).
Ora, aqueles que estavam no purgatório, Cristo os livrou da dívida da pena do
dano, que os excluía da glória. Logo, também os livrou da dívida da pena do
purgatório.
EM
SENTIDO CONTRÁRIO, diz
Gregório: “Uma vez que nosso Criador e Redentor, ao penetrar nos claustros
infernais, de lá retirou as almas dos eleitos, não permite ele que nós vamos
para o lugar de onde, com sua descida, já libertou outros”. Ora, ele
permite que nós vamos para o purgatório. Portanto, ao descer aos infernos, não
libertou as almas do purgatório.
Como já se disse, a descida de Cristo aos
infernos teve caráter libertador pelo poder de sua paixão. Ora, a paixão dele
não tem um poder temporal e transitório, mas para sempre, conforme diz a Carta
aos Hebreus: “Por uma única oblação levou para sempre à perfeição os que
santificou” (10, 14). Fica claro, assim, que a paixão de Cristo não teve
então maior eficácia do que tem agora. Logo, aqueles que eram iguais aos que
agora estão no purgatório não foram libertados do purgatório pela descida de
Cristo aos infernos. Mas se se encontrassem alguns
iguais aos que agora são libertados do purgatório pela força da paixão de
Cristo, então nada impediria que pela descida de Cristo aos infernos eles
fossem libertados do purgatório.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se
dizer que:
1. Não se pode concluir da passagem de Agostinho
que todos os que estavam no purgatório foram libertados de lá; mas que esse
benefício foi concedido a alguns, ou seja, aos que já estavam suficientemente
purificados, ou também aos que, ainda em vida, mereceram, pela fé, amor e
devoção em relação à morte de Cristo, ser libertados da pena temporal do
purgatório, quando Cristo para lá desceu.
2. O poder de Cristo age nos sacramentos, sarando
e expiando. Por isso, o sacramento da Eucaristia livra o homem do purgatório,
porquanto é um sacrifício satisfatório pelo pecado. Ora, a descida de Cristo
aos infernos não foi satisfatória. Operava, porém, por força da paixão, que foi
satisfatória, mas era satisfatória em geral, pois seu poder tinha de ser
aplicado a cada um por algo especialmente pessoal. Portanto, não havia
necessidade de que, pela descida de Cristo aos infernos, todos fossem
libertados do purgatório.
3. As deficiências de que Cristo livrava ao mesmo
tempo os homens neste mundo eram pessoais, próprias de cada indivíduo. Ora, a
exclusão da glória de Deus era uma deficiência geral comum a toda a natureza
humana. Por isso, nada impede que os que estavam no purgatório fossem, por
Cristo, libertados da exclusão da glória, mas não da dívida da pena do
purgatório, que diz respeito a defeitos pessoais. De outro lado, os santos
patriarcas, antes da chegada de Cristo, foram libertados das próprias deficiências,
mas não da deficiência comum a todos.
(Suma Teológica III,
52, 8)
Fonte: Suma Teológica (site)
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