Antecipando o que se dirá na República de Platão acerca da democracia — e, não nos enganemos, a democracia ateniense tinha muito que ver com a moderna democracia liberal –, fustiga diversas vezes Sócrates o fundamento daquele regime, com o qual a sofística formava algo uno. (E não se dará algo semelhante nos dias de hoje? O que é a ciência hoje, em especial as ciências humanas mas também em parte a Biologia e a Física, senão o reino do relativismo — o reino da sofística — a serviço da democracia liberal, que, porém, sob o manto de governo da maioria, não passa de uma partidocracia a serviço de uma onipoderosa plutocracia?) Veja-se, a título de exemplo, o seguinte trecho do diálogo platônico Laques, na parte respeitante à educação dos filhos de Lisímaco e Melésias:
“Sócrates — Por quê, Lisímaco? Vais aceitar o que a maioria de nós aprovar?
Lisímaco — Mas o que se poderia fazer, Sócrates?
Sócrates — Por acaso tu, Melésias, agirias de igual modo? E, se houvesse uma reunião para decidir sobre a preparação ginástica de teu filho, sobre em que ele deve exercitar-se, levarias em conta a maioria de nós ou aquele que fosse precisamente formado e preparado por um bom professor de ginástica?
Melésias — A este, logicamente, Sócrates.
Sócrates — Levá-lo-ias mais em conta que a nós quatro?
Melésias — Provavelmente.
Sócrates — Suponho, então, que o que se há de julgar bem deve julgar-se segundo a ciência, e não segundo a maioria.”
Pois bem, o que diz Sócrates aí e em muitos outros lugares está nos antípodas do que se lê em Palabras de Monseñor de Galarreta: del más puro liberalismo. Não deixa de impressionar: um Bispo de uma entidade, a FSSPX, que seu fundador queria fosse radicalmente tomista não só renega esse mesmo tomismo, mas regride à sofística ateniense... Dizia Marcel de Corte, com efeito, em A Inteligência em Perigo de Morte: como a Fé é vertida no vaso da razão, ela acaba por escorrer e perder-se se este vaso estiver rachado – e, dizemos nós, não há efetiva solda para este vaso além da doutrina de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Comum da Igreja.
Fonte: Spes
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