Parece que não era necessário
ter Cristo ressuscitado:
1. Na verdade, diz Damasceno: “A ressurreição
é o levantar-se por segunda vez de um animal, que se decompôs e que caiu”.
Ora, Cristo não caiu pelo pecado nem seu corpo se decompôs. Logo, não lhe
convinha propriamente ressurgir.
2. Além do mais, quem ressurge é alçado a uma
situação mais elevada, porque levantar-se significa mover-se para
cima. Ora, o corpo de Cristo, depois da morte, ficou unido à divindade e,
assim, não pôde ser alçado a uma situação mais
elevada. Logo, não lhe competia ressurgir.
3. Ademais, tudo o que se passou com a humanidade
de Cristo ordena-se à nossa salvação. Ora, para a nossa salvação bastava a paixão
de Cristo, pela qual ficamos livres da pena e da culpa. Logo, não foi
necessário que Cristo ressurgisse dos mortos.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Evangelho de
Lucas: “Era preciso que Cristo sofresse e ressuscitasse dos mortos”
(24, 46).
Por cinco motivos houve necessidade de Cristo
ressurgir:
Primeiro, para louvor da divina
justiça, à qual é próprio exaltar aqueles que se humilham por causa de Deus,
conforme o que diz Lucas: “Precipitou os poderosos de seus tronos e exaltou
os humildes” (1, 52). E uma vez que Cristo, por causa do amor e da
obediência a Deus, se rebaixou até a morte de cruz, convinha que fosse exaltado
por Deus até a gloriosa ressurreição. Por isso, representando-o, diz o Salmo
138, com o comentário da Glosa: “Senhor, tu me conheces”, isto é,
aprovaste, “o meu cair”, isto é, minha humilhação e paixão, “e a
minha ressurreição” (v. 2), isto é, minha glorificação na ressurreição.
Segundo, para instrução da nossa
fé. É que pela ressurreição dele foi confirmada nossa fé sobre a divindade de
Cristo, pois, como diz a segunda Carta aos Coríntios: “Foi crucificado pela
nossa fraqueza, mas está vivo pelo poder de Deus” (13, 4), e, por isso,
diz em outra Carta: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia, e
vazia também a vossa fé” (I Cor 15, 14). E diz o Salmo 29: “Que
utilidade haverá em meu sangue”, isto é, com a efusão de meu sangue, “e
em minha descida”, isto é, como que por diversos degraus do mal, “à
corrupção?” (v. 10), como se dissesse: nada. Pois se não ressurgir logo e
meu corpo se corromper, não pregarei a ninguém, e não ganharei ninguém como
explica a Glosa.
Terceiro, para levantar nossa
esperança, pois, ao vermos Cristo, nossa cabeça, ressuscitar, temos esperança
de que também nós ressuscitaremos. Por isso, diz a primeira Carta aos
Coríntios: “Se se proclama que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que
alguns dentre vós dizem que não há ressurreição dos mortos?” (15, 12). E o
livro de Jó: “Mas eu sei”, isto é, pela certeza da fé, “que meu
redentor’, isto é, Cristo, “está vivo’, isto é, tendo
ressuscitado dos mortos, e, por isso, “no último dia se erguerá da terra;
esta minha esperança depositada em meu peito” (19, 25-27).
Quarto, para dar forma à vida
dos fiéis, segundo o que diz a Carta aos Romanos: “Assim como Cristo
ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós levemos uma vida nova”
(6, 4). E mais abaixo diz: “Ressuscitado de entre os mortos, Cristo não
morre mais; do mesmo modo também vós: considerai que estais mortos para o
pecado e vivos para Deus” (v. 9, 11).
Quinto, para aperfeiçoamento de
nossa salvação. Assim como, por esse motivo, suportou incômodos morrendo, para
nos livrar dos males, também foi glorificado ressurgindo, para nos fazer
avançar no bem, segundo o que diz a Carta aos Romanos: “Entregue por nossas
faltas e ressuscitado para nossa justificação” (4, 25).
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se
dizer que:
1. Embora Cristo não tenha caído pelo pecado,
caiu pela morte, pois como o pecado é a ruína da justiça, assim a morte é a
ruína da vida. Por isso, podemos entender que representam palavras de Cristo o
que diz o profeta Miquéias: “Não rias de mim, minha inimiga, porque caí. Eu
me levantarei” (7, 8). Igualmente, embora o corpo de Cristo não tenha se
desintegrado e virado pó, a separação mesma da alma e do corpo foi, de certo
modo, uma desintegração.
2. Pela união pessoal, a divindade estava unida à
carne de Cristo, depois de sua morte; mas não pela união da natureza, como a
alma se une ao corpo como sua forma, para constituir a natureza humana.
Portanto, pelo fato de seu corpo estar unido à alma, foi alçado a uma situação
mais alta da natureza, mas não a uma mais alta situação pessoal.
3. A paixão de Cristo operou a nossa salvação,
propriamente falando, pela remoção dos males, e a ressurreição, como o início e
o modelo de todas as coisas boas.
(Suma Teológica III, 53, 1)
Fonte: Suma Teológica (Site)
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