quarta-feira, 3 de abril de 2013

Era necessário que Cristo ressuscitasse?




Parece que não era necessário ter Cristo ressuscitado:

1. Na verdade, diz Damasceno: “A ressurreição é o levantar-se por segunda vez de um animal, que se decompôs e que caiu”. Ora, Cristo não caiu pelo pecado nem seu corpo se decompôs. Logo, não lhe convinha propriamente ressurgir.

2. Além do mais, quem ressurge é alçado a uma situação mais elevada, porque levantar-se significa mover-se para cima. Ora, o corpo de Cristo, depois da morte, ficou unido à divindade e, assim, não pôde ser alçado a uma situação mais elevada. Logo, não lhe competia ressurgir.

3. Ademais, tudo o que se passou com a humanidade de Cristo ordena-se à nossa salvação. Ora, para a nossa salvação bastava a paixão de Cristo, pela qual ficamos livres da pena e da culpa. Logo, não foi necessário que Cristo ressurgisse dos mortos.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz o Evangelho de Lucas: “Era preciso que Cristo sofresse e ressuscitasse dos mortos” (24, 46).

Por cinco motivos houve necessidade de Cristo ressurgir:

Primeiro, para louvor da divina justiça, à qual é próprio exaltar aqueles que se humilham por causa de Deus, conforme o que diz Lucas: “Precipitou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (1, 52). E uma vez que Cristo, por causa do amor e da obediência a Deus, se rebaixou até a morte de cruz, convinha que fosse exaltado por Deus até a gloriosa ressurreição. Por isso, representando-o, diz o Salmo 138, com o comentário da Glosa: “Senhor, tu me conheces”, isto é, aprovaste, “o meu cair”, isto é, minha humilhação e paixão, “e a minha ressurreição” (v. 2), isto é, minha glorificação na ressurreição.

Segundo, para instrução da nossa fé. É que pela ressurreição dele foi confirmada nossa fé sobre a divindade de Cristo, pois, como diz a segunda Carta aos Coríntios: “Foi crucificado pela nossa fraqueza, mas está vivo pelo poder de Deus” (13, 4), e, por isso, diz em outra Carta: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia, e vazia também a vossa fé” (I Cor 15, 14). E diz o Salmo 29: “Que utilidade haverá em meu sangue”, isto é, com a efusão de meu sangue, “e em minha descida”, isto é, como que por diversos degraus do mal, “à corrupção?” (v. 10), como se dissesse: nada. Pois se não ressurgir logo e meu corpo se corromper, não pregarei a ninguém, e não ganharei ninguém como explica a Glosa.

Terceiro, para levantar nossa esperança, pois, ao vermos Cristo, nossa cabeça, ressuscitar, temos esperança de que também nós ressuscitaremos. Por isso, diz a primeira Carta aos Coríntios: “Se se proclama que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns dentre vós dizem que não há ressurreição dos mortos?” (15, 12). E o livro de Jó: “Mas eu sei”, isto é, pela certeza da fé, “que meu redentor’, isto é, Cristo, “está vivo’, isto é, tendo ressuscitado dos mortos, e, por isso, “no último dia se erguerá da terra; esta minha esperança depositada em meu peito” (19, 25-27).

Quarto, para dar forma à vida dos fiéis, segundo o que diz a Carta aos Romanos: “Assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós levemos uma vida nova” (6, 4). E mais abaixo diz: “Ressuscitado de entre os mortos, Cristo não morre mais; do mesmo modo também vós: considerai que estais mortos para o pecado e vivos para Deus” (v. 9, 11).

Quinto, para aperfeiçoamento de nossa salvação. Assim como, por esse motivo, suportou incômodos morrendo, para nos livrar dos males, também foi glorificado ressurgindo, para nos fazer avançar no bem, segundo o que diz a Carta aos Romanos: “Entregue por nossas faltas e ressuscitado para nossa justificação” (4, 25).

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

1. Embora Cristo não tenha caído pelo pecado, caiu pela morte, pois como o pecado é a ruína da justiça, assim a morte é a ruína da vida. Por isso, podemos entender que representam palavras de Cristo o que diz o profeta Miquéias: “Não rias de mim, minha inimiga, porque caí. Eu me levantarei” (7, 8). Igualmente, embora o corpo de Cristo não tenha se desintegrado e virado pó, a separação mesma da alma e do corpo foi, de certo modo, uma desintegração.

2. Pela união pessoal, a divindade estava unida à carne de Cristo, depois de sua morte; mas não pela união da natureza, como a alma se une ao corpo como sua forma, para constituir a natureza humana. Portanto, pelo fato de seu corpo estar unido à alma, foi alçado a uma situação mais alta da natureza, mas não a uma mais alta situação pessoal.

3. A paixão de Cristo operou a nossa salvação, propriamente falando, pela remoção dos males, e a ressurreição, como o início e o modelo de todas as coisas boas.

(Suma Teológica III, 53, 1)

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