Na
Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, de 16 de Outubro de 2002, João
Paulo II propôs uma modificação no Rosário: adicionar 5 novos mistérios,
chamados luminosos (ou da luz), que se somariam aos Gozosos, Dolorosos e
Gloriosos, conhecidos desde a origem.
Esse documento — cujo escopo aparente consistiria em promover o Rosário — está, de fato, eivado de espírito naturalista. Isso porque essa sublime devoção, ensinada por Nossa Senhora a São Domingos, é aí considerada como uma experiência psicológica muito similar ao gênero de orações e meditações das religiões não católicas. Daí a ênfase que atribui à [suposta] "implicação antropológica do Rosário" (25), que, segundo a nova interpretação, tornaria mais compreensível o mistério do homem. Sem dúvida, os “aperfeiçoamentos” introduzidos corroboram esse sentido: os 5 novos mistérios foram especialmente escolhidos de molde a não contrariar os protestantes. Haja vista que, dentre todos os mistérios, agora aduzidos, embora narrados no Evangelho, nenhum faz menção explícita da Virgem Maria. Isso se alinha com a intenção do Papa em tornar o Rosário mais "cristocêntrico", o que significa, na prática, torná-lo menos Mariano.
Os
5 "significativos" e "luminosos" momentos que ele escolhe
são:
.O
Batismo no Rio Jordão
.Sua
Manifestação em Caná
.A
Proclamação de Seu Reinado e o chamado a conversão
.Sua
Tranfiguração
.Instituição
da Eucaristia
Embora
todos os elementos acima sejam retirados do Evangelho (como demonstrações
características da bondade, poder e misericórdia divina), cumpre notar que,
exceto no caso da instituição da Eucaristia, não existe nenhuma
correlação direta dos referidos episódios com o Mistério da Redenção. Não há,
pois, como deixar de ver, na surpreendente inovação, um esforço para obnubilar
ou deslocar a atenção do fiel dos mistérios fundamentais da Redenção,
definidamente expressos nos três terços, ou seja, via contemplação dos
Mistérios Gozosos, Dolorosos e Gloriosos.
Não
foi por acaso que os tradicionais mistérios do Rosário apareceram alinhados
nessa ordem. Uma vez concebidos nessa sequência, significa que é sobre cada um
deles que nos devemos debruçar para chegar à salvação eterna. Em uma das
suas Encíclicas anuais sobre o Rosário, o Papa Leão XIII explica que:
5.
Além do valor que o Rosário tira da própria natureza da oração, o mesmo
constitui um meio fácil para recordar e inculcar nas almas (...), mediante a
repetição cadenciada das mesmas preces, a contemplação dos principais mistérios
de nossa religião: em primeiro lugar, daqueles pelos quais "o Verbo
se fez carne", tendo Maria, Virgem intacta e Mãe, concorrido para isso,
com santa alegria, pela sua santa maternidade. Vêm depois as amarguras, os
tormentos, a morte de Cristo, correspondendo ao preço da salvação do gênero
humano.
Finalmente,
entram os mistérios gloriosos (...) (Magnae Dei Matris, 8 de Set., 1892)
A
razão para essa mudança de orientação é, pouco a pouco, mover nossa atenção
para longe do mistério da Redenção (entendida como o resgate das almas dos
pecadores). Resumindo, Nosso Senhor nos redime de nossos pecados, trazendo-nos
de volta à amizade de Deus, pois, sendo Deus e Homem ao mesmo tempo, é capaz de
satisfazer a justiça divina, oferecendo-se na Cruz em expiação de nossos
pecados. Este é o ensinamento tradicional.
Para
a teologia moderna, porém, a realidade é outra. Chega-se a alegar que tudo isso
é supérfluo, acrescentando, de modo sofístico e blasfemo, que Deus não seria
tão infantil a ponto de exigir resgate pelos nossos pecados. Segundo essa visão
distorcida, para sermos salvos, bastaria refletir nas manifestações de amor,
dádiva e glória de Deus, pois "cada um destes mistérios é revelação do
Reino divino já personificado no mesmo Jesus". (Rosarium Virginis Mariae,
21) [sic! sic! sic!].
O
resultado da recitação habitual desses luminosos mistérios redundaria,
portanto, na evidente dessacralização do Rosário, com a perda do específico
foco mariano, desviando a nossa atenção do indispensável propósito de nos
unirmos à obra salvífica da Redenção, pela observância dos Mandamentos — sem o
que é impossível agradar a Deus e obter a remissão de nossos pecados. Com
efeito, se essa nova prática for introduzida, a própria idéia do Rosário
acabará por se descaracterizar, perdendo a natural razão de ser. Uma devoção
vazia de sentido tende a tornar-se estéril e, aos poucos, vai caindo no
esquecimento. Consequentemente, cabe-nos recusar esse "acréscimo"
opcional, conservando-nos ancorados na sábia e combativa tradição da Igreja,
que, ao promover a devoção ao Santo Rosário tradicional, contribuiu
decisivamente para a santificação de incontáveis gerações de santos.
Apesar, de per se, não constituir pecado recitar esses mistérios adicionais,
compete-nos jamais estimular tal inovação, sobretudo evitando difundir ou
aconselhar uma prática dessa natureza.
Padre
Peter Scott
Angelus
Abril 2010
Fonte: A Grande Guerra, Militia Jesu Christi
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