sexta-feira, 26 de abril de 2013

Os chamados e os escolhidos





Peregrinos e viajantes na terra, segundo a expressão do apóstolo, nós não temos aqui residência fixa.

No curso do tempo somos levados: o mundo passa depressa e nós passamos ainda mais depressa que o mundo. Todavia o homem persiste em se estabelecer sobre a terra e procura ai fixar as suas raízes, como se ai pudesse permanecer sempre. Obreiros remissos, nós descuidamos da tarefa da salvação assinada à todo católico; administradores infiéis, não fazemos valer o tesouro que nos é confiado; navegantes imprudentes, nos aventuramos no meio dos recifes, em vez de seguirmos em direção ao porto.

Nesta perigosa situação, a voz divina não nos falta com as suas advertências. O divino Salvador, cheio de misericórdia, nos envia a sua luz sob todas as formas, para nos esclarecer sobre os nossos verdadeiros destinos, e os seus anjos não cessam de nos chamar à verdadeira pátria.

Por que motivo, porém, depois de ter aberto as portas do céu a todos os homens, nos declara, entretanto, o Evangelho que os chamados são muitos e poucos o escolhidos? Pois seria possível que Deus nos estendesse compassivo uma das mãos, para nos arredar com a outra? Por acaso não nos chamaria Ele, senão para nos perder? E Jesus Cristo, mostrando-nos o caminho da salvação, teria por acaso enchido esse caminho de obstáculos insuperáveis?

Longe de nós tão condenáveis pensamentos!

O Evangelho nos ensina que Jesus Cristo morreu por muitos homens: “pro omnibus mortuus est Christus”. Ele deseja salvação de todos, a sua graça apareceu a todos, disse o Apóstolo; e a paz do céu foi oferecida a todos os homens de boa vontade.

Mas, se todos são assim chamados, por que é que os escolhidos são em pequeno número?

Sem entrar aqui nos mistérios incompreendidos, devemos crer que escolhidos são os que respondem fielmente ao apelo divino.

Ora, como respondem os homens a este apelo? Uns não ouvem sequer a voz de Deus; e não ouvem porque não a querem ouvir.

Outros ouvem e respondem, mas não caminham; e mesmo entre os que caminham, muitos seguem caminho errado.

Elucidemos estas graves considerações.

Os homens que recusam ouvir a voz de Deus são todos os que fogem ao que lhes poderia perturbar os interesses ou os prazeres. Estes não conhecem senão a vida atual, não apreciam senão os bens terrestres e como absolutamente lhes falta o senso das coisas do céu, chegam mesmo a duvidar de que têm uma alma.

E, efetivamente, bem se poderia duvidar disto, pois que em verdade parecem não ter alma os que vivem como se a não tivessem.

Homens tais tornam inútil o apelo divino, porque não querem ouvir: “Jerusalém, Jerusalém! Quantas vezes tenho eu desejado reunir os teu filhos, como a galhinha reúne os seus pintinhos, e tu não tens querido!”

Outros há que ouvem a voz de Deus, mas não lhe respondem. Como recebem estes os ensinamentos da Religião! Que uso fazem da divina Graça? Que efeito lhes produz o verbo cristão, se apenas se limitam a ouvi-lo?

Entendem sem dúvida o que Deus lhes fala e não desconhecem os artigos de lei divina; mas, ligando a tudo com menos importância, deixam de responder por algum modo ao apelo que lhes vem do alto. Para tais homens esse apelo é, portanto, vão.

E esses mesmos que respondem a voz de Deus, fazem eles sempre alguma coisa mais do que responder a ela? Metem eles acaso mãos à obra? Acaso dizem, como o filho pródigo: “Surgam et ibo?” E erguem-se enfim para se lançarem nos braços do Pai? Ai deles, que adiam indefinidamente o cumprimento do seu dever!

Aguardam muitas vezes para isso uma mudança de posição, uma circunstância mais favorável, uma idade mais madura, ou a conclusão de um negócio, ou a morte de um parente; e não pensam que os dias da sua vida estão contados e que a graça adiada quase nunca se torna a achar!

“De que lhes servirá ter ganho o mundo inteiro, se eles vêm a perder a sua alma?” Evidentemente a sorte destes será igual a dos desgraçados que não ouviram a voz de Deus, senão mais deplorável ainda.

Há, finalmente almas, aliás piedosas e timoratas, que tendo escutado o apelo divino, acodem a ele e se põem a caminho para seguir Jesus Cristo; mas vacilam e esmorecem ante os primeiros obstáculos, recuam em vez de avançar e depondo as armas, abandonam a obra começada.

Ora, Jesus Cristo disse: “Aquele que, depois de ter posto a mão no arado, voltar atrás, não é digno do Reino de Deus”.

O que perde estas almas é a falta de coragem; elas não têm confiança nem firmeza.

Marchavam na direção do céu enquanto fluiam as divinas consolações, mas no momento em que pela cruz se ia provar e purificar o seu amor, começam a retroceder. O divino apelo foi-lhes também inútil.

Agora, se dentre os chamados tirarmos os que se conservam surdos à voz de Deus, os que deixam de acudir ao seu apelo e os que acodem mas não perseveram até o fim, poderemos compreender a palavra do Senhor: “Muitos chamados, poucos escolhidos!” Esta palavra não é uma sentença prévia nem uma condenação antecipada: é a comprovação de um fato, uma conclusão aritmética.

Digamos pois, ao Senhor com o profeta: “Falai, que vosso filho vos escuta!” O nosso grande bem, para este mundo efêmero como para a eternidade, consiste em escutar a palavra de Deus e em saber guardá-la:“Aquele que a guarda – diz o Evangelho – viverá eternamente”.

Que a mãe se aplique a escutar a voz de Deus, e Deus por sua vez escutará as suas súplicas. Seja ela fiel à sua consciência, e Deus será fiel as suas promessas.

Justifique ela, enfim, o seu título de mãe cristã e Deus será seu pai e o protetor de sua casa.


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