A IMITAÇÃO DE CRISTO - TOMAS DE KEMPIS
LIVRO TERCEIRO
CAPÍTULO 50
Como o homem
angustiado se deve entregar nas mãos de Deus
1. Senhor Deus, Pai santo! Bendito sejais agora e sempre;
porque como quisestes assim se fez, e bom é quanto fazeis. Alegre-se em vós o
vosso servo, não em si, nem em algum outro, porque só vós sois a verdadeira
alegria, vós a minha esperança e coroa; só vós, Senhor, minha delícia e glória.
Que tem vosso servo, senão o que de vós recebeu, ainda sem o merecer? Vosso é
tudo o que destes e fizestes. Pobre sou e vivo em trabalho desde a juventude
(Sl 87,16), e minha alma se entristece algumas vezes até às lágrimas, e outras
se perturba pelos sofrimentos que a ameaçam.
2. Desejo a alegria da paz, suplico a paz de vossos filhos, a
que apascentais na luz da consolação. Se vós me derdes a paz, se vós me
infundirdes santa alegria, será a alma de vosso servo cheia de júbilo, entoando
devotamente vossos louvores. Mas se vos afastardes, como muitas vezes fazeis,
não poderá ele trilhar o caminho dos vossos mandamentos, mas antes se prostará
de joelhos, para bater no peito, porque não lhe vai como nos dias passados,
"quando resplandecia vossa luz sobre sua cabeça" (Gên 31,2), e
encontrava refúgio contra as tentações violentas debaixo da sombra de vossas
asas.
3. Pai justo e sempre digno de louvor! Chegada é a hora em que
será provado o vosso servo. Pai amoroso! Justo é que nesta hora sofra alguma
coisa o vosso servo por vosso amor. Pai sempre adorável, chegou a hora que de
toda a eternidade prevíeis havia de vir, que por pouco tempo sucumba vosso
servo exteriormente, mas vivendo interiormente sempre unido a vós. Por pouco
tempo seja desprezado e humilhado, abatido diante dos homens e oprimido de
sofrimentos e enfermidades, para que ressuscite convosco na aurora de uma nova
luz e seja glorificado no céu. Pai santo! foi esta vossa ordem e vontade,
fez-se o que ordenastes.
4. Pois é uma graça que concedeis ao vosso amigo: o sofrer e
penar neste mundo por vosso amor, quantas vezes e de quem o permitireis. Sem o
vosso desígnio, sem a vossa providência, ou sem causa, nada acontece na terra.
É bom para mim, Senhor, que me tenhais humilhado para que aprenda vossos justos
juízos (Sl 118,71), e deponha toda a soberba e toda presunção. Proveitoso é
para mim "ter o rosto coberto de confusão" (Sl 68,8), para que busque
a consolação em vós e não nos homens. Também aprendi por este meio a temer
vossos insondáveis juízos; pois afligis o justo com o ímpio, mas sempre com
eqüidade e justiça.
5. Graças vos dou,
Senhor, que não poupastes minhas maldades, antes me castigais com duros
açoites, enviando-me dores e afligindo-me exterior e interiormente de
angústias. De tudo quanto existe debaixo do sol, nada há capaz de me consolar,
senão vós, Senhor meu Deus, médico celestial das almas, que feris e sanais,
pondes em grandes tormentos e deles livrais (1 Rs 2,6; Tob 13,2). Vosso castigo
está sobre mim, e vossa disciplina me ensinará (Sl 17,36).
6. Pai querido, em vossas
mãos estou e me inclino debaixo da vara de vossa correção. Feri-me as costas e
o pescoço, para que sujeite minha vontade teimosa à vossa. Fazei-me discípulo
devoto e humilde, como sabeis fazer, para que obedeça ao vosso menor aceno.
Entrego-me, com tudo que é meu, à vossa correção; pois é melhor ser castigado
neste mundo que no outro. Vós sabeis tudo e todas as coisas e nada se vos
esconde da consciência humana. Vós sabeis o futuro antes que se realize, e não
precisais de quem vos ensine ou advirta das coisas que se fazem na terra. Vós
sabeis o que serve para meu progresso e quanto vale a tribulação, para limpar a
ferrugem dos vícios. Disponde de mim segundo o vosso beneplácito e não olheis
para a minha vida pecaminosa, de ninguém melhor e mais claramente conhecida do
que de vós.
7. Concedei-me, Senhor, que eu saiba o que devo saber, ame o
que devo amar; fazei-me louvar o que mais vos agrada, estimar o que vós
apreciais, desprezar o que a vossos olhos é abjeto. Não me deixeis julgar pelas
aparências exteriores, nem criticar pelo que ouço de homens inexperientes, mas
dai-me o discernimento certo das coisas visíveis e das espirituais, e
sobretudo, o desejo de conhecer sempre vossa vontade.
8. Enganam-se, freqüentemente, os homens em seus juízos, e não
menos se enganam os mundanos, porque só amam as coisas visíveis. Porventura
ficará melhor o homem porque outro o louva? O mentiroso engana ao mentiroso, o
vaidoso ao vaidoso, o cego ao cego, o doente ao doente, em lhe fazendo elogios;
e na verdade, antes o confunde em lhe tecendo vãos louvores. Porque, quanto
cada um é aos olhos de Deus, tanto é e nada mais, diz o humilde S. Francisco.
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