II-II Parte – Questão 169
Artigo 1
Pode haver virtude e vício na
apresentação exterior?
“RESPONDO. Não é nas coisas
exteriores utilizadas pelo homem que se encontra o vício, mas no próprio homem
que usa mal delas. E esse mau uso pode acontecer de duas maneiras.
Primeiramente, considerando-se o costume das pessoas com quem se vive. Por
isso, diz Agostinho: ‘Os excessos contrários aos costumes humanos devem ser
evitados, respeitando suas diversidades. Uma convenção estabelecida numa cidade
ou num povo por costume ou por lei não deve ser violada pelo capricho de um
cidadão ou de um forasteiro, pois toda parte em desarmonia com o seu todo é uma
aberração’.
Em segundo lugar, o mau uso
dessas coisas da aparência exterior pode vir também de uma descontrolada
afeição a elas e parte do usuário, levando-o, por vezes, a utilizá-las de modo
sensual demais, esteja ele de acordo ou em desacordo com os costumes locais.
Por isso, recomenda Agostinho: ‘Não se deve usar nada com paixão, pois esta não
só ofende, perversamente, o costume daqueles entre os quais se vive, como
também, ultrapassando-lhes, muita vez, os limites, manifesta, com rompantes
escandalosos, um descaramento antes escondido sob o véu de costumes públicos’.
Ora, essa afeição desordenada
pode manifestar seu exagero de três formas. Primeiro, quando se busca o
prestígio social mediante um modo refinado de vestir-se e de enfeitar-se. Por
isso, diz Gregório: ‘Julgam alguns que não é pecado usar um vestuário fino e
precioso. Mas se não o fosse, jamais a palavra de Deus teria dito que o rico,
atormentado no inferno, estivera vestido de linho fino e de púrpura, pois
ninguém traja roupa preciosa, isto é, superior à sua condição, senão por
vanglória’. – Outra manifestação dessa exagerada preocupação com a roupa
acontece quando nisso se buscam os prazeres do corpo, vendo na roupa um
atrativo para tais prazeres. – E a terceira manifestação seria a preocupação
exagerada com a roupa, ainda que não interfira nenhuma finalidade má.
A essa tríplice desordem
Andronico opõe três virtudes relacionadas com a apresentação externa. Uma é a
humildade, que exclui a busca da glória e, segundo ele, ‘não se excede em
gastos e enfeites’. – Outra virtude é o contentar-se com o suficiente, o que
exclui a busca da afetação. ‘É o hábito de se satisfazer com o necessário e que
determina o que é conveniente para se viver’, de acordo com a palavra do
Apóstolo: ‘Se temos alimento e vestuário, contentar-nos-emos com isso’. – Por
fim, tem-se a simplicidade, que exclui a preocupação exagerada com essas
coisas, e que ele define como ‘o hábito pelo qual nos contentamos com o que nos
é dado’.
Olhando, agora, a questão pelo
lado da deficiência, podem-se distinguir duas desordens segundo o afeto. A
primeira, por negligência, quando não se tem cuidado nem diligência em se
vestir corretamente. Por essa razão, o Filósofo diz que é relaxamento ‘deixar o
manto arrastar-se pelo chão, sem nenhum empenho por levantá-lo’. – A segunda é
a dos que se vangloriam dessa mesma falta de cuidado com a aparência. Por isso,
Agostinho diz que ‘pode haver vaidade não só no brilho e no luxo dos ornatos do
corpo, mas até numa apresentação negligente e degradante e tanto mais perigosa
quanto procura nos enganar, a pretexto de serviço de Deus’. E o Filósofo diz
que ‘tanto o excesso quanto a deficiência dizem respeito à jactância’.”
II-II Parte – Questão 169
Artigo 2
Os adornos das mulheres estão
isentos de pecado mortal?
“RESPONDO. Em relação aos
adornos das mulheres, devem-se fazer as mesmas observações antes feitas, em
geral, sobre a apresentação exterior, destacando, porém, algo especial, ou
seja, que os adornos femininos despertam a lascívia nos homens, segundo o livro
dos Provérbios: ‘Eis que essa mulher lhe vem ao encontro, trajada qual
prostituta, toda insinuação’. No entanto, pode a mulher, licitamente,
empenhar-se por agradar ao marido, para evitar que ele, desdenhando-a, venha a
cair em adultério. Por essa razão, se diz na primeira Carta aos Coríntios: ‘A
mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo: ela procura como agradar o
marido’. Portanto, se a mulher casada se enfeita para agradar ao marido, pode
fazê-lo sem pecado. Mas as que não têm marido nem os querem ter e vivem em
celibato, não podem, sem pecado, querer agradar aos olhos dos homens, para lhes
excitar a concupiscência, porque isso seria incentivá-los a pecar. Se, pois, se
enfeitarem com essa intenção de provocar os outros à concupiscência, pecam
mortalmente.
Se o fizerem, porém, por leviandade, ou mesmo por um desejo
vaidoso de aparecer, nem sempre será pecado mortal, mas às vezes venial.
Diga-se o mesmo, aliás, a respeito dos homens[1].
Por isso, escreve Agostinho: ‘Sugiro-te que não te precipites em proibir
enfeites de outro ou vestes preciosas, a não ser aos que, não sendo casados nem
querendo sê-lo, deveriam pensar em como agradar a Deus. Quanto aos outros, eles
pensam nas coisas do mundo: os maridos, como agradarão às esposas; as mulheres,
como agradarão aos maridos, sempre com a ressalva feita pelo Apóstolo, a saber,
nem às mulheres casadas convém trazer os cabelos descobertos’. Nesse caso,
porém, ainda é possível que algumas mulheres fiquem isentas de pecado, se não
agirem por vaidade, mas por um costume contrário, embora não recomendável[2].”
Ed. Loyola
[1] As
mesmas regras valem para o coquetismo tanto dos homens como das mulheres. A
observação deve ser inserida no dossiê daqueles que acusam Sto. Tomás de
misoginia.
[2] Em
princípio, Sto. Tomás reconhece a legítima diversidade dos costumes vestimentais.
Mas percebemos claramente que sua tolerância não iria muito longe, tanto ele
está imbuído da cultura à qual pertence. No seio de uma tradição eclesiástica
bastante reservada em relação à ornamentação (pelo menos nas obras de
edificação), ele adota uma posição aberta e matizada.
Fonte: Maria Rosa
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