Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para
Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à
vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
3. — Se essas penas do inferno
fossem temporárias e, por mais que durassem, tivessem fim alguma vez, ainda
restaria ao pecador algum consolo; mas, espantai-vos, filhos, essas penas duram
sempre. Sempre! Palavra terrível cujo simples pensamento arrepia! Porquanto,
sabeis o que quer dizer “sempre?” Quer dizer que, por muitos milhares e milhões
de anos que deslizem em cadeia interminável, ao findar essa série que a
imaginação não pode compreender, o inferno ainda estará nos seus começos.
Havia uma vez um menino que se
entretinha em tirar água do mar com uma concha tão pequena, que de cada vez só
apanhava uma gota. Cada gota ele a introduzia num poço, e a simplória criatura
acreditava que assim, com a sua concha pequenina, gota a gota, iria
transferindo toda a água do mar para o poço. Passou um velho e lhe disse:
— Não trabalhes em vão, menino;
mas fica sabendo que assim, gota a gota, se vivesses milhões de anos, acabarias
por transferir todas as águas do mar para esse poço; mas, quando, depois de
muitíssimos milhões de anos, tivesses acabado de transferir a última gota, o
inferno ainda estaria em seus começos, porque é eterno e não tem fim.
Assim, — disse o menino — nunca
pecarei, para não cair no inferno.
Não é estranho que os
condenados se desesperem pensando na eternidade das penas que padecem. Se vos
quiserdes livrar de mal tão espantoso, procurai desde já abominar o pecado
sobre todos os males.
Dizia um poeta famoso que à
porta do inferno tinha visto escritas com letras negras estas palavras: “Por
mim se vai à cidade dos réprobos, à dor eterna... Deixai toda esperança, ó vós
que entrais”. Oh! é terrível deixar a esperança. Se tirassem a esperança a uma
criança, esta morreria.
Imaginai que Luís falta
frequentemente aos seus deveres e descuida as suas lições. Por castigo, o
mestre mete-o no quarto dos ratos. Luís entra tremendo. O mestre, pedagogo à
antiga, fecha-o a chave. Luís reza à Virgem Santíssima para que o livre dos
ratos e dos espíritos que alguns meninos asseguram que se escondem por entre os
trastes velhos. Colado à porta, Luís sente um medo terrível, e reza sem cessar,
mas sobretudo espera... espera que o castigo termine. Depois de certo tempo, o
mestre abre a porta da prisão, e o pequeno respira satisfeito os ares da
liberdade. Suponde que, em vez de lhe abrir a porta, o mestre a tapasse com cal
e pedra, e Luís ali tivesse de ficar até morrer. . . Oh! que pena horrível a do
pobre menino! Pois agora figurai que o pequeno nunca morresse, e que os ratos
estivessem sempre a mordê-lo, e os espíritos maus a atormentá-lo... Não vos
compadeceríeis do mísero?
Ah! meus filhos, mil vezes pior
é o caso do condenado ao inferno, atormentado para sempre, ansiando, no meio
dos tormentos, por uma felicidade impossível... Mas agora eu toco noutro ponto,
que será o último que tratarei de tão triste matéria.
4. — Embora sendo muitos e
espantosos os tormentos do condenado, o mais terrível é não ver a Deus, o que
constitui a pena do dano. Esta pena não podemos compreendê-la senão por
comparação, e ainda assim a compreenderemos muito pouco.
Imaginai que nunca pudésseis
ver as pessoas todas a quem mais amais: papai, mamãe, os parentes, os amigos.
Talvez alguém me diga que isto não é lá coisa muito forte, com o que indicará
ter o coração de pedra; mas, se a criança tem um coração carinhoso, confessará
comigo que nunca poder ver seus papais e irmãozinhos é coisa muito triste.
Nosso Pai é Deus: agora nós não
o vemos, e por isso não sentimos essa necessidade de atração para Ele; mas,
quando morrermos, nossa alma se lançará para Ele como um projétil para o alvo,
como a ave para seu ninho..., e, com umas ânsias amorosas impossíveis de
explicar porque agora somos incapazes de senti-las, com uma veemência de
abraçar e de beijar e de possuir que se assemelha um pouquinho e mui de longe à
veemência do coração mais enamorado, ela se arrojará ao seio de Deus,
imensamente bom e apetecível. A alma em graça, limpa dos resíduos e crostas que
vos disse, sumir-se-á naquele oceano de luz; a alma em pecado mortal
encontrará, na sua carreira louca, um muro de ferro que trará escrito em letras
negras: “Para trás!”. E, oprimida pelo peso da sua culpa, despenhando-se em
imensos abismos, dará consigo no inferno.
Oh! com que fúria o condenado
atenazará as próprias carnes, vendo que, tendo podido gozar de Deus, agora, por
culpa sua, O perdeu para sempre! Oh! como rangerá os dentes com fúria,
sentindo-se impotente para voar a uma felicidade suprema, que, sem embargo, o
atrai com força irresistível! Oh! que sede insaciável de felicidade, sem poder
consegui-la!
Contam os poetas que Tântalo,
por seus crimes, foi condenado a padecer eternamente uma sede espantosa. Dizem
que ele estava preso a uma rocha por uma corrente; podia dobrar o corpo até
quase tocar com os lábios a água fresca e cristalina de uma fonte que passava
junto a ele por entre pedrinhas e areias de ouro. Ele quase tocava a água com
os lábios, sentia as frescas emanações que mais lhe acendiam a sede abrasadora,
mas não podia bebê-la, e a água se afastava rindo. Que suplício! não é verdade?
Semelhante será o do condenado. Ardendo em ânsias de ver a Deus e de fruir
d’Ele, o condenado está amarrado ao inferno e, além disso, sente
enterrar-se-lhe nas carnes a lança da ira de Deus, que lá do alto o atormenta.
5. — Pois bem, todo este mal
espantoso é causado pelo pecado.
Não haveria inferno se não
houvesse pecado. O inferno é, pois, pena do pecado mortal. Mal os anjos maus
pecaram, caíram no inferno. Os pecadores que morrem sem se arrependerem
submergem-se para sempre naquelas chamas. Lugar terrível, impossível de
imaginar em toda a sua tremenda grandeza; porque a mais pequena pena do inferno
é maior do que todas as da terra juntas. Maior do que a dos mártires, pois ir
cortando membro por membro o mártir, queimá-lo a fogo lento, desconjuntá-lo,
esquartejá-lo... tudo isto nada é em comparação com as penas do inferno.
Estou certo de que estas
descrições e comparações feriram vivamente a vossa imaginação, e o vosso
coraçãozinho estremece de temor daqueles antros de fogo inextinguível. É bom
esse temor, mas, na realidade, a única coisa que deveis temer é o pecado,
porque o pecado é que mantém aceso aquele fogo: quem não peca não irá para lá.
E aquele que por desdita cometeu pecados graves, arrependendo-se deles e
apagando-os com uma boa confissão, não tem por que temer o inferno. Para
terminar, ouvi estes exemplos:
6. — Estando Moscou em poder
dos franceses em tempos de Napoleão, havia naquela cidade dois grandes amigos,
o conde Orloff e um general de Napoleão. Incrédulos ambos, uma noite, depois de
cearem, eles troçavam do inferno e dos que acreditavam nele. O conde Orloff não
estava lá muito tranquilo. Disse ele:
— Se acaso existisse isso,
general, seria terrível o fiasco que levaríamos!
Ora — respondeu com indiferença
o general. — O primeiro de nós dois que morrer virá avisá-lo ao outro, —
Palavra! — replicou com muita seriedade o conde.
— Palavra! — afirmou, muito
sério também, o outro.
Rompeu a guerra com a Rússia. O
general teve de sair de Moscou. Poucos dias depois, o conde Orloff dormia
tranquilamente na sua cama, sem de modo algum pensar no seu amigo general,
quando as cortinas do leito se moveram e, ante os olhos espantados do conde,
apareceu a figura horrenda do general que, com voz cavernosa, com a mão sobre o
peito, disse:
— Há inferno, e eu estou nele!
— e logo desapareceu.
O conde ficou, mais do que
aturdido, horrorizado. Dez ou doze dias depois daquela espantosa aparição, o
conde Orloff recebeu um correio e, por ele, a notícia de que, naquele dia mesmo
em que tivera lugar a estranha visão do general, este, num reconhecimento com a
sua tropa, morrera com o peito varado por uma bala, precisamente à mesma hora
em que havia aparecido ao conde dizendo-lhe:
— Há inferno, e estou nele!
Parecido com esse caso é este
outro: Estava morrendo em Paris um homem que se chamava Carlos. Sua mulher
instava com ele para que se confessasse, mas ele, que não acreditava na outra
vida, dizia-lhe que o deixasse em paz. Com tanta segurança afirmava ele não
haver outra vida, que a mulher começou a vacilar um pouco e lhe disse:
— Se houver inferno, dir-mo-ás
quando morreres.
De acordo — respondeu o
moribundo, e dentro em pouco expirou.
A altas horas da noite, a
mulher, sozinha na sala com o cadáver, perguntou-lhe:
— Carlos, há inferno?
E sucedeu uma coisa espantosa.
O cadáver abriu os olhos, brilharam neles duas intérminas luzes fosforescentes,
e, movendo a cabeça para diante, ele disse, como que afirmando com mais
energia:
— Sim, há, — e quedou de novo
inerte.
São terríveis estes dois
exemplos, meus filhos, porém mais terrível será, para o inditoso que ousa
negar a existência do inferno, o ter de confessar que ele existe quando
sentir crepitarem as suas chamas e se cevarem para sempre nas suas carnes pecadoras.
A eternidade — dizia um célebre
pregador — é como um grande relógio situado no inferno, cujo pêndulo, que se
move eternamente, vai dizendo a cada pancada:
— Jamais! Jamais!
E, quando os condenados, de
cabelos eriçados, lhe perguntam, olhando para a espantosa esfera:
— Que horas são?
O relógio responde: — A
eternidade.
E, quando, passados milhões de
milhões de anos, os condenados tornam a perguntar-lhe:
Relógio, terrível relógio, que
horas são?
— A eternidade! A eternidade! —
torna a responder o relógio, cujo pêndulo continua batendo:
— Jamais! Jamais!
Meus filhos, estareis algo
assustados com a meditação de hoje. Confesso que ela foi terrível, mas, sem
dúvida, saudável. Assim tereis horror ao pecado, e prometereis fugir dele desde
agora.
7. — A consequência que
tirareis desta meditação do Inferno, consequência que também deduzireis da
meditação da morte e da gravidade do pecado, é o ódio de morte a essa fera que
é o pecado, e a fuga dele a todo transe. A vossa disposição, após estas meditações,
deverá ser tal que estejais resolvidos a não pecar jamais, de modo que, ainda
quando vos fizessem reis do mundo todo por um só pecado mortal, deveríeis fugir
dele a todo custo, e, ainda quando vos ameaçassem com a morte, deveríeis antes
morrer do que cometer um só pecado. O pecado, oh! que monstro horrível, causa
do inferno e de todas as nossas desditas, causa da morte do Redentor do mundo!
ódio, ódio terrível ao pecado, propósito de antes morrer do que cometer um só
pecado. Tal há de ser a vossa resolução.
Não vos seduza o mundo e o
prazer, começai a viver virtuosamente. Amai a mortificação, a pobreza, a
obediência. Rezai, frequentai os Sacramentos, e tende presente que não se pode
servir juntamente a Deus e ao diabo; e que não é possível vida de prazer,
riquezas, felicidade no mundo, e vida eterna de delícias no céu. Ou sofrer aqui
com Cristo para gozar no céu, ou gozar aqui com o diabo para sofrer eternamente
na outra vida. Para que esta verdade se vos grave, e assim terminemos a
meditação do inferno, ouvi o que se conta no Evangelho a respeito do rico
Epulão:
“Houve um certo homem rico que
se vestia de púrpura e linho finíssimo, e dava cada dia esplêndidos banquetes.
Por esse mesmo tempo vivia um mendigo, chamado Lázaro, que, coberto de chagas, jazia
à porta do rico, desejando saciar-se com as migalhas que lhe caíam da mesa, mas
ninguém lhas dava; porém os cães vinham e lambiam-lhe as chagas. Sucedeu, pois,
que dito mendigo morreu, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão (lugar que
era a antessala do céu). O rico também morreu, e foi sepultado no inferno. E,
quando estava nos tormentos, levantando os olhos viu ao longe Abraão e Lázaro
no seu seio, e exclamou dizendo: “Pai Abraão, compadece-te de mim, e envia-me
Lázaro para que, molhando na água a ponta do dedo, me refresque a língua, pois
me abraso nestas chamas”. Respondeu-lhe Abraão: “Filho, lembra-te de que
recebeste bens durante a tua vida, e Lázaro, ao contrário, recebeu males;
assim, este agora é consolado e tu atormentado” (Lc 16, 19 e ss).
Oh! que tormentos os daquele
condenado! Tomai cuidado de não cair naquele abismo de chamas em que ele caiu.
E, para que não cometais pecado mortal, que é causa do inferno, recorrei à
nossa boa Mãe, a Virgem Maria. Oh! quanto vos valerá então a sua devoção!
Pedi-lhe que infunda no vosso coração temor da justiça de Deus e ódio ao
pecado. Rezai três Ave-Marias.
Fonte: A Grande Guerra
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