domingo, 14 de julho de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - Inimigos da alma (Final)




Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)



4. — Dói-me falar-vos de uma coisa repugnante, mas é necessário, porque é o pecado que mais almas leva ao inferno, tantas que ele sozinho as leva mais do que todos os outros pecados juntos. Chama-se pecado feio. E será que os outros não são feios? Todos são feíssimos, por serem ofensas a Deus, mas este é particularmente feio e repugnante. Pecado feio é qualquer pecado cometido contra o sexto mandamento, que, como todos vós sabeis, é não fornicar. A maioria de vós não entende que pecado é esse: melhor. Tão pouco os anjos querem entendê-lo. Se algum o entende e, sobretudo, se algum já cometeu o pecado feio, ai! filhos de minha alma, sem medo dizei-o ao confessor, que vos receberá de braços abertos e com todo gosto vos dará a absolvição.

O pecado feio é toda ação ou palavra ou pensamento desonestos plenamente consentidos. O mundo está cheio destes pecados, e muitos se rebolcam neles como os porcos.




Deus sempre castigou este pecado de maneira terrível. Na antiguidade havia duas cidades, Sodoma e Gomorra, e outras três mais, que juntas formavam a Pentápole e estavam completamente entregues a tão feio vício. Sabeis o que Deus fez com elas? Um dia começou a chover fogo do céu sobre aquelas cidades nefandas. Crianças, moços, velhos, homens, mulheres..., todos foram pasto das chamas. Os seus edifícios desabaram, suas riquezas consumiram se, tudo se converteu em cinzas. Agora o vale ou baixada sobre o qual estavam construídas as cidades malditas está coberto de uma água betuminosa e fétida, que forma o chamado Mar Morto, porque ali não há vida, não há peixes. Até dizem que as aves que por acaso atravessam o lago, ao lhe respirarem as emanações sulfúreas, caem mortas sobre as águas.

E contam que, nas margens daquele lago, se cria um grande fruto dourado, como as laranjas, ainda mais lindo que estas para a vista. Mas se alguém, seduzido pelo seu exterior, o colhe, ao abri-lo encontra-o fofo e cheio de cinzas e de vermes. Tal é o vício impuro: delicioso para a vista, mas, ao ser provado, só deixa cinza de remorsos e vermes asquerosos.

Para fugir deste vício, é preciso ser casto em pensamentos, palavras e obras. Um menino honesto, uma menina pura, cuidadosa de se vestir com decência e de não descobrir do seu corpo senão o necessário, é um anjo, mesmo antes de ir para o céu. Conheceis os nardos e as açucenas? São de uma alvura imaculada as açucenas, com suas hastezinhas douradas, e os nardos com a sua cor suavíssima. Tremulam às vezes nas suas corolas gotas de orvalho, e a aura baloiça-os suavemente. São imagem da pureza. Se caem no chão, cobrem-se de barro, enlameiam-se, perdem a sua beleza, servem para o lixo. Assim é o coração puro quando, com um pensamento, com um olhar, com uma palavra, cai no lodo da impureza; de homem converte-se em animal; de açucena, em lama; de anjo, em demônio.

Oh, meus filhos! Fugi desse vício maldito que tantas vítimas causa.

5. — Mas, como haveis de fugir deste vício que tudo invade? Fugindo das más companhias. Há meninos maus e meninas abomináveis que com frequência falam de leviandades, de coisas de que os vossos anjos se envergonham ao ouvi-las. Esses tais causam tremendos males a quem os escuta. O vício dá desonestidade costuma vir pela boca pestilencial desses infelizes, e, ao escutá-los, as meninas e os meninos puros perdem a inocência, caem no pecado impuro, e morrem para a vida da graça, para a vida puríssima do céu. Que desgraça!

Assim como as aves que atravessam o Mar Morto morrem ao respirar as pútridas emanações daquele lago, assim também morre a alma dos que escutam com gosto esses escandalosos que falam indecências, ou que as fazem, o que ainda é pior.

6. — O pior destes três inimigos de nossas almas é a carne. O diabo e o mundo nos deixam às vezes; mas a carne nunca, porque a trazemos conosco. E ela é irredutível, nunca se cansa de lutar e de aguilhoar-nos. Luta, sempre luta! Tal é a nossa condição, condição que essa velhaca impõe com as suas exigências. Frequentemente sentis em vós essa dupla inclinação da natureza e da graça: a natureza apóia-se no corpo, a graça na parte superior da alma; a alma tende para o sobrenatural, o corpo para o material e para o vício. Não sentis essa luta? Pois é a alma que luta contra o seu inimigo, a carne. Compreendeis como, na realidade, a carne é inimiga da nossa salvação, e, por a terdes em casa, é a vossa pior inimiga? Oh! se o diabo não contasse com a carne como com a sua melhor aliada, poucas vezes cantaria vitória contra a alma!
Havia um rei sitiado em sua fortaleza por numeroso exército inimigo. O rei tinha bons canhões, excelentes soldados, víveres e munições em abundância, e não temia o exército sitiante. Mas com surpresa notava que, ape­sar de ele contar com excelentes meios de defesa, o inimigo ia ganhando terreno cada dia; que os tiros dos sitiantes iam derrubando muralhas e bastiões, e, em compensa­ção, os tiros da sua artilharia nunca acerta­vam no alvo. Que seria? Averiguou, e soube que o seu general andava em tratos secre­tos com o inimigo. Não quis saber de mais. Prendeu o general, fê-lo declarar a sua trai­ção e fuzilou-o no ato. Desde então melhorou a condição dos sitiados, e os sitiantes bate­ram em vergonhosa retirada.

Esse general traidor é a vossa própria carne, que, convivendo com a alma, atraiçoa-a cada dia e se mancomuna com o diabo para perdê-la. Que poderia Satanás com a nossa alma se não tivesse por amiga a carne traidora? O mau do caso é que a carne não a podemos pôr fora de casa, nem fuzilá-la incontinenti; mas podemos atormentá-la, como faziam os santos, pô-la a meia ração, se convier, mandar aos olhos que não olhem o que é ilícito, aos ouvidos que não escutem o silvo da serpente, aos pés que não caminhem para o precipício, e assim, tendo-a em freio, lograr vitória sobre ela.

Estais vendo como a carne é o pior inimigo nosso? Estais vendo como o corpo não deve ser tratado com delicadeza, mas devemos negar-lhe muitos gostos, e até açoitá-lo de vez em quando? Por aqui compreendereis o quanto é bom jejuar, dormir em cama dura, atormentar de alguma maneira a carne. Os santos faziam mortificações heróicas; fazei vós também alguma coisa para imitá-los.

7. — Uma das mortificações principais que os santos fazem para não pecar é fugir das ocasiões, e não só os santos, mas qualquer pessoa que queira servir a Deus.

Chama-se ocasião de pecado “o lugar, a pessoa, a coisa ou qualquer objeto que ordinariamente nos induz a pecado” (Spirago, Catecismo, 1109). Esta ocasião de pecado vem a ser outro inimigo da alma, manejado por um ou mais dos outros três, mundo, diabo e carne. Causa muitíssimas vítimas entre os que não lhe fogem. Às vezes a ocasião de pecar é um amigo mau; às vezes é um livro que mostra coisas feias; às vezes são gravuras escandalosas; outras vezes é o teatro ou o cinema.
Sucede, algumas vezes, ser necessária a ocasião de pecado; por exemplo, um menino que por necessidade tem de estar com outra pessoa de sua própria casa que lhe fala de coisas más ou blasfema contra a religião. Se então o menino faz o que está em seu poder, procurando não atender a esse amigo do diabo, não peca. Melhor seria que fugisse, mas, como isto não pode ser, ele não tem obrigação de fugir. Mas tem, isto sim, obrigação de não atender às palavras más que ouve à força. Do mesmo modo se há de fugir dos maus amigos e das pessoas que não são causa de pecado. Foge-se de uma chama porque queima, de uma víbora porque envenena, e não haveis de fugir de uma pessoa má que é para vós um verdadeiro demônio que vos quer arrastar ao pecado?

O mesmo que se diz dos maus amigos e das más paixões, diz-se dos maus livros, ou folhetos, ou jornais escandalosos. Costumam eles ser ocasiões de pecado, e é preciso fugir-lhes e, melhor, queimá-los. Não basta não ler esses livretos ou não olhar essas gravuras escandalosas; é preciso, para fugir da ocasião, não os reter. Por isso eu vos disse que o melhor é queimá-los, porque retendo-os, facilmente os olhareis.
Há meninos curiosos que querem ler ou olhar aquilo que lhes não importa, e às vezes os incautos tropeçam numa indecência e caem. Outros, ao contrário, fogem dessas leituras ou gravuras, ou, se acaso topam com alguma, destroem quanto podem.

Bernardo é um bom menino que persegue de morte a má imprensa e propaga a boa. Seu amigo Leandro, pelo contrário, afeiçoado em demasia a contos e histórias, lê tudo quanto depara. Por desgraça lhe caem nas mãos umas novelas de infames aventuras, e ele as lê, e com elas se deslumbra, e traga o veneno, e peca. Bernardo sabe disso, pega-as, queima-as. Para que seu amigo não se enfade, faz-lhe presente de uma Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, bela na apresentação, belíssima no conteúdo.

Toma, — diz-lhe ele — em troca do que te queimei.

E tu?

Tenho outra. Aquilo que tu tinhas era uma indecência. Lê isto, que é verdade e que leva ao céu. Aquilo outro é mentira, e porcaria além disso, e leva ao inferno. Agora vai-te confessar.

O outro, arrependido e agradecido, faz o que Bernardo lhe diz. Que grande bem ter um bom amigo!

Assim mesmo haveis de fazer vós. Se algum folheto desses infernais vos cair nas mãos, queimai-o. Persegui a má imprensa como fazia Bernardo, e difundi a boa imprensa quanto puderdes. Fugi das ocasiões de pecar, e não vos contenteis com não ler maus livros e jornais; lede os bons, afastai-vos de meninos perversos, e de maus exemplos, e de escândalos de que o mundo está cheio.

Resumamos: disse-vos que tudo o que induz a pecar é inimigo da alma. Estes inimigos da alma são: mundo, diabo e carne; acrescentei como inimigo da alma as ocasiões de pecar. O mundo são os maus exemplos e ditos dos homens e meninos maus. O mundo tem as suas doutrinas opostas às de Cristo. Onde quer que não se seguem estas doutrinas e exemplos de Cristo, reina o mundo; é do mundo uma família irreligiosa, um menino ou uma menina má, um homem perverso. O melhor meio de vencer o mundo é fugir dele e seguir as doutrinas e os exemplos de Cris­to, opostos aos do mundo.

Não se deve fazer caso do demônio, segundo inimigo da alma, e é forçoso afastar-se das suas sugestões. Ele é um cão preso, que só morde quem dele se aproxima.

A carne é o terceiro inimigo, caseiro por­que o trazemos conosco. Foge-se dele pela mortificação e pela oração.

Enfim, as ocasiões de pecar são outro inimigo poderoso. Quem, podendo, não as abandona ou não as destrói, peca.

Contra todos esses inimigos recomendo-vos a oração. Rogai muito a Jesus Cristo, por intercessão de sua Mãe Santíssima, que vos ajude a vencê-los, e para isso rogai comigo à Virgem Santíssima Nossa Mãe, rezando-lhe três Ave-Marias.



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