Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para
Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à
vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
4. — Dói-me falar-vos de uma
coisa repugnante, mas é necessário, porque é o pecado que mais almas leva ao
inferno, tantas que ele sozinho as leva mais do que todos os outros pecados juntos.
Chama-se pecado feio. E será que os outros não são feios? Todos são feíssimos,
por serem ofensas a Deus, mas este é particularmente feio e
repugnante. Pecado feio é qualquer pecado cometido contra o sexto
mandamento, que, como todos vós sabeis, é não fornicar. A maioria de vós não
entende que pecado é esse: melhor. Tão pouco os anjos querem entendê-lo. Se
algum o entende e, sobretudo, se algum já cometeu o pecado feio, ai! filhos de
minha alma, sem medo dizei-o ao confessor, que vos receberá de braços abertos e
com todo gosto vos dará a absolvição.
O pecado feio é toda ação ou
palavra ou pensamento desonestos plenamente consentidos. O mundo está cheio
destes pecados, e muitos se rebolcam neles como os porcos.
Deus sempre castigou este pecado
de maneira terrível. Na antiguidade havia duas cidades, Sodoma e Gomorra, e
outras três mais, que juntas formavam a Pentápole e estavam completamente
entregues a tão feio vício. Sabeis o que Deus fez com elas? Um dia começou a
chover fogo do céu sobre aquelas cidades nefandas. Crianças, moços, velhos,
homens, mulheres..., todos foram pasto das chamas. Os seus edifícios desabaram,
suas riquezas consumiram se, tudo se converteu em cinzas. Agora o vale ou
baixada sobre o qual estavam construídas as cidades malditas está coberto de
uma água betuminosa e fétida, que forma o chamado Mar Morto, porque ali não há
vida, não há peixes. Até dizem que as aves que por acaso atravessam
o lago, ao lhe respirarem as emanações sulfúreas, caem mortas sobre as
águas.
E contam que, nas margens
daquele lago, se cria um grande fruto dourado, como as laranjas, ainda mais
lindo que estas para a vista. Mas se alguém, seduzido pelo seu exterior, o
colhe, ao abri-lo encontra-o fofo e cheio de cinzas e de vermes. Tal é o vício
impuro: delicioso para a vista, mas, ao ser provado, só deixa cinza de remorsos
e vermes asquerosos.
Para fugir deste vício, é
preciso ser casto em pensamentos, palavras e obras. Um menino honesto, uma
menina pura, cuidadosa de se vestir com decência e de não descobrir do seu
corpo senão o necessário, é um anjo, mesmo antes de ir para o céu. Conheceis os
nardos e as açucenas? São de uma alvura imaculada as açucenas, com suas
hastezinhas douradas, e os nardos com a sua cor suavíssima. Tremulam às vezes
nas suas corolas gotas de orvalho, e a aura baloiça-os suavemente. São imagem
da pureza. Se caem no chão, cobrem-se de barro, enlameiam-se, perdem a sua
beleza, servem para o lixo. Assim é o coração puro quando, com um pensamento, com
um olhar, com uma palavra, cai no lodo da impureza; de homem converte-se em
animal; de açucena, em lama; de anjo, em demônio.
Oh, meus filhos! Fugi desse
vício maldito que tantas vítimas causa.
5. — Mas, como haveis de fugir
deste vício que tudo invade? Fugindo das más companhias. Há meninos maus e
meninas abomináveis que com frequência falam de leviandades, de coisas de que
os vossos anjos se envergonham ao ouvi-las. Esses tais causam tremendos males a
quem os escuta. O vício dá desonestidade costuma vir pela boca pestilencial
desses infelizes, e, ao escutá-los, as meninas e os meninos puros perdem a
inocência, caem no pecado impuro, e morrem para a vida da graça, para a vida
puríssima do céu. Que desgraça!
Assim como as aves que
atravessam o Mar Morto morrem ao respirar as pútridas emanações daquele lago,
assim também morre a alma dos que escutam com gosto esses escandalosos que
falam indecências, ou que as fazem, o que ainda é pior.
6. — O pior destes três inimigos
de nossas almas é a carne. O diabo e o mundo nos deixam às vezes; mas a carne
nunca, porque a trazemos conosco. E ela é irredutível, nunca se cansa de lutar
e de aguilhoar-nos. Luta, sempre luta! Tal é a nossa condição, condição que
essa velhaca impõe com as suas exigências. Frequentemente sentis em vós essa
dupla inclinação da natureza e da graça: a natureza apóia-se no corpo, a graça
na parte superior da alma; a alma tende para o sobrenatural, o corpo para o
material e para o vício. Não sentis essa luta? Pois é a alma que luta contra o
seu inimigo, a carne. Compreendeis como, na realidade, a carne é inimiga da
nossa salvação, e, por a terdes em casa, é a vossa pior inimiga? Oh! se o diabo
não contasse com a carne como com a sua melhor aliada, poucas vezes cantaria
vitória contra a alma!
Havia um rei sitiado em sua
fortaleza por numeroso exército inimigo. O rei tinha bons canhões, excelentes
soldados, víveres e munições em abundância, e não temia o exército sitiante.
Mas com surpresa notava que, apesar de ele contar com excelentes meios de
defesa, o inimigo ia ganhando terreno cada dia; que os tiros dos sitiantes iam
derrubando muralhas e bastiões, e, em compensação, os tiros da sua artilharia
nunca acertavam no alvo. Que seria? Averiguou, e soube que o seu general
andava em tratos secretos com o inimigo. Não quis saber de mais. Prendeu o
general, fê-lo declarar a sua traição e fuzilou-o no ato. Desde então melhorou
a condição dos sitiados, e os sitiantes bateram em vergonhosa retirada.
Esse general traidor é a vossa
própria carne, que, convivendo com a alma, atraiçoa-a cada dia e se mancomuna
com o diabo para perdê-la. Que poderia Satanás com a nossa alma se não tivesse
por amiga a carne traidora? O mau do caso é que a carne não a podemos pôr fora
de casa, nem fuzilá-la incontinenti; mas podemos atormentá-la, como faziam os
santos, pô-la a meia ração, se convier, mandar aos olhos que não olhem o que é
ilícito, aos ouvidos que não escutem o silvo da serpente, aos pés que não
caminhem para o precipício, e assim, tendo-a em freio, lograr vitória sobre
ela.
Estais vendo como a carne é o
pior inimigo nosso? Estais vendo como o corpo não deve ser tratado com
delicadeza, mas devemos negar-lhe muitos gostos, e até açoitá-lo de vez em
quando? Por aqui compreendereis o quanto é bom jejuar, dormir em cama dura,
atormentar de alguma maneira a carne. Os santos faziam mortificações heróicas;
fazei vós também alguma coisa para imitá-los.
7. — Uma das mortificações
principais que os santos fazem para não pecar é fugir das ocasiões, e não só os
santos, mas qualquer pessoa que queira servir a Deus.
Chama-se ocasião de pecado “o
lugar, a pessoa, a coisa ou qualquer objeto que ordinariamente nos induz a
pecado” (Spirago, Catecismo, 1109). Esta ocasião de pecado vem a ser outro
inimigo da alma, manejado por um ou mais dos outros três, mundo, diabo e carne.
Causa muitíssimas vítimas entre os que não lhe fogem. Às vezes a ocasião de
pecar é um amigo mau; às vezes é um livro que mostra coisas feias; às vezes são
gravuras escandalosas; outras vezes é o teatro ou o cinema.
Sucede, algumas vezes, ser
necessária a ocasião de pecado; por exemplo, um menino que por necessidade tem
de estar com outra pessoa de sua própria casa que lhe fala de coisas más ou
blasfema contra a religião. Se então o menino faz o que está em seu poder,
procurando não atender a esse amigo do diabo, não peca. Melhor seria que
fugisse, mas, como isto não pode ser, ele não tem obrigação de fugir. Mas tem,
isto sim, obrigação de não atender às palavras más que ouve à força. Do mesmo
modo se há de fugir dos maus amigos e das pessoas que não são causa de pecado.
Foge-se de uma chama porque queima, de uma víbora porque envenena, e não haveis
de fugir de uma pessoa má que é para vós um verdadeiro demônio que vos quer
arrastar ao pecado?
O mesmo que se diz dos maus
amigos e das más paixões, diz-se dos maus livros, ou folhetos, ou jornais
escandalosos. Costumam eles ser ocasiões de pecado, e é preciso fugir-lhes e,
melhor, queimá-los. Não basta não ler esses livretos ou não olhar essas gravuras
escandalosas; é preciso, para fugir da ocasião, não os reter. Por isso eu vos
disse que o melhor é queimá-los, porque retendo-os, facilmente os olhareis.
Há meninos curiosos que querem
ler ou olhar aquilo que lhes não importa, e às vezes os incautos tropeçam numa
indecência e caem. Outros, ao contrário, fogem dessas leituras ou gravuras, ou,
se acaso topam com alguma, destroem quanto podem.
Bernardo é um bom menino que
persegue de morte a má imprensa e propaga a boa. Seu amigo Leandro, pelo
contrário, afeiçoado em demasia a contos e histórias, lê tudo quanto depara.
Por desgraça lhe caem nas mãos umas novelas de infames aventuras, e ele as lê,
e com elas se deslumbra, e traga o veneno, e peca. Bernardo sabe disso,
pega-as, queima-as. Para que seu amigo não se enfade, faz-lhe presente de uma
Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, bela na apresentação, belíssima no conteúdo.
Toma, — diz-lhe ele — em troca
do que te queimei.
E tu?
Tenho outra. Aquilo que tu
tinhas era uma indecência. Lê isto, que é verdade e que leva ao céu. Aquilo
outro é mentira, e porcaria além disso, e leva ao inferno. Agora vai-te
confessar.
O outro, arrependido e
agradecido, faz o que Bernardo lhe diz. Que grande bem ter um bom amigo!
Assim mesmo haveis de fazer vós.
Se algum folheto desses infernais vos cair nas mãos, queimai-o. Persegui a má
imprensa como fazia Bernardo, e difundi a boa imprensa quanto puderdes. Fugi
das ocasiões de pecar, e não vos contenteis com não ler maus livros e jornais;
lede os bons, afastai-vos de meninos perversos, e de maus exemplos, e de
escândalos de que o mundo está cheio.
Resumamos: disse-vos que tudo o
que induz a pecar é inimigo da alma. Estes inimigos da alma são: mundo, diabo e
carne; acrescentei como inimigo da alma as ocasiões de pecar. O mundo são os
maus exemplos e ditos dos homens e meninos maus. O mundo tem as suas doutrinas
opostas às de Cristo. Onde quer que não se seguem estas doutrinas e exemplos de
Cristo, reina o mundo; é do mundo uma família irreligiosa, um menino ou uma
menina má, um homem perverso. O melhor meio de vencer o mundo é fugir dele e
seguir as doutrinas e os exemplos de Cristo, opostos aos do mundo.
Não se deve fazer caso do
demônio, segundo inimigo da alma, e é forçoso afastar-se das suas sugestões.
Ele é um cão preso, que só morde quem dele se aproxima.
A carne é o terceiro inimigo,
caseiro porque o trazemos conosco. Foge-se dele pela mortificação e pela
oração.
Enfim, as ocasiões de pecar são
outro inimigo poderoso. Quem, podendo, não as abandona ou não as destrói, peca.
Contra todos esses inimigos
recomendo-vos a oração. Rogai muito a Jesus Cristo, por intercessão de sua
Mãe Santíssima, que vos ajude a vencê-los, e para isso rogai comigo à Virgem
Santíssima Nossa Mãe, rezando-lhe três Ave-Marias.
Fonte: A Grande Guerra
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