O fim do matrimônio é receber.
Mas quê? Vantagens puramente humanas, terrestres, frívolas, passageiras? Ah!
Não, meus senhores. Há, entretanto, muitos homens que pensam
assim.
Há os que não vêem o matrimônio
senão à sombra florida de não sei que Éden imaginário. Sonham com uma primavera
eterna, sob o céu azul da Itália, uma adoração perpétua num ideal de amor,
aonde a alegria dessa reciprocidade de afeto na doce intimidade do lar, não
deixaria lugar nem aos cuidados, nem às tristezas, nem às provações da vida. -
São os simples! O matrimônio não é somente poesia, ou romance.
Há outros que não procuram no
matrimônio senão uma formalidade de convenção e conveniência, necessária para
que a sociedade lhes conceda certos benefícios, para que os receba, nos seus
salões e os dignifique aos olhos do mundo; mas sem lhes restringir, todavia, a
liberdade e os prazeres. São os grosseiros, os homens sem lealdade, sem verdadeira
honra! O matrimônio não é um simples costume, um pavilhão respeitável, uma etiqueta
honesta, para encobrir o vício e a devassidão; nem tão pouco um fim, para os celibatários
fartos de divertimentos.
Há outros que só vêem nele a
aliança de duas raças, de dois nomes, de duas situações. São os espíritos
levianos, superficiais! O matrimônio não é somente uma simples conveniência de
famílias.
Outros só lhe pedem uma elevação
de dignidade, de posição, de consideração humana, de classe social. São os
ambiciosos! O matrimônio não é um estribo, uma escada, um elevador para subir
na sociedade.
Outros não vêem senão o
dinheiro, dote e esperanças. - Compreendo, quando se tem uma dignidade a
sustentar, um nome a honrar, uma influência a manter, que se procure fortuna, -
em si, isso não é repreensível, mas não será por isso, nem sobre isso que se concluirá
o matrimônio: será uma simples condição, não um fim, nem objeto. O matrimônio
não é um meio com modo para se enriquecer, um ajuste, uma especulação.
Enfim, para terminar esta triste
enumeração, há outros que não procuram no matrimônio senão uma satisfação aos
instintos menos nobres do ser humano. O físico, os sentidos, a matéria, é tudo
para eles. - São os tacanhos, os aviltados, quando não são os libertinos e os
devassos, atraídos pela emoção de uma sorte de voluptuosidade que a sua vida
passada, por mais rica que haja sido em sensações desse gênero, não lhes pôde
fazer conhecer, e pela miragem de uma fonte pura, aonde os seus sentidos
estragados se vão fortalecer e remoçar como num orvalho fresco.
Deixar-se levar somente pelas
suas paixões, em decisão tão grave, é, primeiramente, expor-se a decepções
cruéis... há aparências tão enganadoras! ... é, em seguida, degradar-se. Só
pensar em satisfazer os seus sentidos, não é o nobre matrimônio do homem, é o instinto
do animal.
Que se deve então receber e, por
conseguinte, procurar no matrimônio? Qual é o seu verdadeiro fim, o seu fim
essencial e supremo?
É o próprio fim do homem. O
matrimônio não foi instituído por Deus senão para auxiliar o homem a atingir o
seu fim, o seu duplo fim: aperfeiçoar-se e multiplicar-se. Deixemos de parte o
desenvolvimento da raça (de que falaremos), para não tratarmos senão do
aperfeiçoamento do indivíduo. Em que consiste este aperfeiçoamento? Em concluir
nele a semelhança divina, em aproximar-se do ideal divino, em desenvolver a sua
inteligência, a sua vontade, o seu coração, no sentido de Deus, em tomar-se
melhor e mais virtuoso, em glorifícara Deus, e salvar a alma, alcançando o Céu.
Tal é o fim essencial da sociedade conjugai.
Para este progresso, para esta
contínua ascensão para Deus, o homem necessitava da mulher. Segundo a palavra
criadora, não era bom que ficasse só; precisava de uma companheira, uma
associada, sociam, um auxiliar semelhante a si mesmo, adjutorium similesibi.
E porque o homem era incompleto.
Tinha a majestade, a força, a energia; faltava-lhe alguma coisa da graça, da
delicadeza, da sensibilidade, da doçura que Deus lhe queria dar. Faltava-lhe um
ser semelhante a quem confiasse os seus sentimentos, com quem trocasse os seus
pensamentos, fortalecesse e elevasse o seu coração expandindo: - a mulher.
Mas, meus senhores, como é que a
mulher vai ajudar o homem a atingir seu fim, completá-lo e aperfeiçoá-lo?
Será tornando-lhe tudo fácil,
tirando-lhe os espinhos e todas as pedras do caminho? É a ilusão de muitos
maridos. Sustentados pela força inicial de sua primeira paixão, e no encanto de
seu primeiro amor, nada lhes custa, e imaginam que a vida vai ser, para eles,
um jardim de flores. A sua companheira parece-lhes ideal e encantadora, capaz
de todos os sacrifícios, pronta a sofrer tudo por eles. A felicidade sorri-lhes
com todo o esplendor num céu sem nuvens.
A ilusão vai muitas vezes até ao
egoísmo. O homem pensa, com prazer, que a mulher foi criada para servi-lo; que
tem direito a tudo, e dela exigir tudo; que a mulher foi feita para sofrer, e
ele... para ser sofrido!
As dificuldades, porém, não
tardam a aparecer. A mulher, por mais cheia de virtudes que seja (e que será se
não possuir nenhuma?) conserva sempre alguns defeitos, alguns caprichos, os
conformes à sua natureza, e ao seu caráter.
A oposição de idéias, os
conflitos de opiniões, as discussões não tardam a surgir: são pequenas
discórdias, ligeiras irritações, palavras um tanto exasperadas; alguns arrebatamentos
e tudo isso que, não se tomando cuidado, se multiplica e desenvolve com uma
rapidez prodigiosa.
Que resultará de tudo isto? O
marido iludido ou egoísta porá a culpa em sua mulher; far-Ihe-á censuras
amargas, attribuir-lhe-á todos os males. Se for indulgente será justo? -Parecer-lhe-á
que acorda de um sonho, e que decididamente não há felicidade durável no matrimônio,
que é preciso conformar-se com a sua sorte. Será isto verdade?
Não. Nem é justo nem verdadeiro.
Há uma felicidade cristã muito sólida e muito durável no matrimônio, e nem
sempre é culpa das mulheres, se a não encontram; às vezes é culpa dos maridos,
quase sempre de ambos. Não se compreende o fim do matrimônio. Esperando encontrar
só alegrias, ficam espantados de que se lhes deparem provações.
Estas provações são
providenciais, e é por meio delas, sobretudo, que o matrimônio atingirá o seu
fim, e que, cada um dos esposos, receberá o seu aperfeiçoamento, se compreender
o seu papel.
O marido cristão queixar-se-á
primeiro de si mesmo. Sem renunciar absolutamente a felicidade, mas, pelo
contrário, para conservá-la com mais segurança em seu lar, dir-se-á que a
felicidade está no dever, e que é ao dever que ele tem de apegar-se com toda a
energia de sua Fé, e todas as forças de seu coração. O seu dever, é subir,
aperfeiçoar-se, tornar-se melhor. Mas, para isso, duas coisas lhe parecem de
necessidade evidente: conhecer-se e dominar-se a si próprio. Eis aí toda a
moral! E esta ciência, esta vitória, é o matrimônio que lhas dá.
Até aí, não se conhecia a si
mesmo. Seus pais, os seus professores, haviam-no repreendido; os seus amigos
haviam-lhe apontado os defeitos, e talvez tivessem zombado dele! Mas nada havia
podido fazer cair o véu espesso que os melhores se obstinam em conservar, e que
impede que se vejam.
O sentimento de sua
responsabilidade começará a abrir-lhe os olhos. Se quiser ser sincero, há de
sentir-se impotente para fazer a felicidade daquela que ele ama!...
Em seguida, na intimidade da
vida conjugai, no contato diário, nas decisões a tomar em comum na fusão das
duas existências, o fundo da sua natureza depressa se revelará. Admirar-se-á de
descobrir em si defeitos que não conhecia, porque lhes faltara ocasião de se
produzirem.
Além disso, se não quiser
entrincheirar-se em seu orgulho, não receará de aceitar os conselhos de sua
mulher; não há de querer privar-se de luzes tão preciosas. Se a mulher tem menos
conhecimento e talvez menos razão, tem mais coração e perspicácia. Um marido que
rejeitasse os seus conselhos ou que a desanimasse de renová-los, pelo seu mau acolhimento,
não sabe de que luzes e, quase, de que revelações o seu estúpido amor próprio o
privaria para sempre. Quem poderá melhor do que a mulher conhecer o
temperamento do marido notar-lhe e fazer-lhe compreender os seus defeitos? É ao
marido que compete fazê-lo em primeiro lugar; mas os conselhos de sua afetuosa
franqueza terão um acolhimento tanto maior, quanto mais pronto ele estiver para
recebê-los com cordial gratidão e docilidade generosa.
Não se deve desacorçoar do papel
de monitor, porque, se é alívio o dizer uma verdade no arrebatamento da cólera,
é uma aflição, e é preciso um esforço, na calma de uma afeição, que deseja o
bem sem paixão nem rancor.
(Livro O marido, o pai e o
apóstolo – Escravas de Maria)
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