terça-feira, 16 de julho de 2013

Meio para reconhecer que não consentiu na tentação.




CAPITULO IV

MEIO PARA RECONHECER QUE NÃO SE CONSENTIU NA TENTAÇÃO.

Sem dificuldade convimos que, em si mesma, a tentação não é um mal, e que só o consentimento faz o pecado. O que produz embaraço e causa uma viva inquietação às almas que Deus põe nessa provação e que conduz pela via penosa das tentações, é que elas quase sempre temem ofender a Deus; e que, não havendo refletido bastante sobre esta matéria, não têm princípios para se tranquilizarem: não sabem distinguir a tentação do consentimento. Essa incerteza em que elas estão de haverem aderido à tentação lança-as numa perplexidade que as faz sofrer muito, que lhes faz perder a paz interior, que lhes debilita a confiança confrangendo-lhes o coração que as impede de ir a Deus com liberdade, finalmente que as lança num desânimo extremo e lhes abate inteiramente as forças. Algumas reflexões poderão esclarecer as vossas dúvidas sobre este ponto, e pôr-vos em estado de decidir-vos.
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Nós não somos inteiramente senhores da nossa mente e do nosso coração. Não podemos impedir que certas ideias, certos sentimentos nos ocupem. Às vezes mesmo eles nos ocupam de súbito tão fortemente, que a alma é arrastada a seguir um pensamento, um projeto, sem o perceber. A preocupação é tão grande, que não vemos nada, não ouvimos nada do que se passa ao redor de nós, que não nos lembramos sequer do momento em que essas ideias, esses sentimentos começaram a apoderar-se da nossa alma. Assim, muitas vezes, nos achamos, sem reparar, em pensamentos e sentimentos contrários à caridade e a outras virtudes, em projetos de vaidade, de orgulho e de amor-próprio.

Este estado dura mais ou menos, conforme é mais ou menos forte a impressão dos objetos ou da imaginação, ou conforme alguma circunstância impressionante tire mais cedo a alma dessa espécie de encantamento. Então, por uma reflexão distinta, ela percebe aquilo que a ocupa. Se, nesse momento em que é restituída a si mesma, ela condena essa ideia, esse sentimento; se os desaprova e se se desvia deles tanto quanto pode, prudentemente pode-se assegurar que em tudo o que precedeu ela não fez nenhum mal. A satisfação que ela experimenta de se ver liberta deles é mais um sinal bastante seguro de  que a vontade não tomou nenhuma parte neles com reflexão.

Nessa preocupação, não houve deliberação, não houve escolha da parte da  vontade. Para que se ofenda a Deus, é preciso que a vontade consinta deliberadamente em alguma coisa má, e que possa renunciar-lhe. Não se acha nem uma coisa nem outra naquilo que precede a reflexão: não pode, pois, haver ai pecado. Aliás, essa desaprovação tão pronta, desde a primeira reflexão, assinala a boa disposição da alma, que não teria admitido essas ideias, esses sentimentos, que não se teria ocupado deles, se os houvesse conhecido com bastante reflexão para admiti-los ou rejeitar por escolha. Devemo-nos, pois, comportar neste caso como se essas ideias e esses sentimentos começassem no momento em que os percebemos com reflexão. Só neste ponto é que deve começar o exame que se deve fazer; e, se então eles foram rejeitados, devemos conservar-nos em paz.

Essa preocupação pode ser longa, como muitas vezes sucede na oração, em que somos arrastados por uma distração que absorve toda a atividade da alma. Esta circunstância não a torna voluntária e deliberada. Não depende da vontade tornar essa distração mais curta, como não depende o impedi-la de vir: não há da sua parte mais escolha numa coisa do que noutra. Também não haverá mais mal; visto que a preocupação que chega subitamente sem que a prevejamos não é um pecado. A longura do tempo que a experimentamos não a torna culposa. Não é, pois, muito difícil decidir-se nessa circunstância.


(Livro Tratado das Tentações – PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)

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