Deinde
dicit discipulo: Ecce mater tua — “Depois diz ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Io.
19, 27)
Sumário. Se Jesus Cristo é o Pai de
nossas almas, porque as regenerou à vida da graça, Maria, que é a Mãe
verdadeira de Jesus, deve igualmente ser chamada nossa Mãe espiritual, porque
pelas suas dores cooperou para nossa redenção. Ponhamos, pois, nela a nossa
confiança e sejamos quais crianças que têm sempre o nome de mãe na boca e em
qualquer perigo levantam a voz e chamam sua mãe em socorro. Para sermos, porém,
facilmente atendidos, imitemos as suas virtudes, especialmente as que são
próprias do nosso estado.
I. Não é
por acaso, nem debalde, que os devotos de Maria a chamam Mãe e parece que não
sabem invocá-la com outro nome, nem se fartam de chamá-la Mãe. Mãe, sim, porque
se Jesus Cristo, reconciliando-nos com Deus, se fez Pai de nossas almas,
conforme a predição do Profeta: Pater futuri saeculi (1) — “Pai do
século futuro”, Maria deve ser chamada e é verdadeiramente nossa Mãe espiritual.
Segundo a
explicação dos Doutores, esta grande Mãe pelo seu amor gerou-nos à graça,
quando consentiu em que o Verbo Eterno se fizesse seu filho, porque, no dizer
de São Bernardino de Sena, ela desde então pediu a Deus com afeto imenso a
nossa salvação e de tal sorte a procurou, que bem se pode dizer que desde então
nos trouxe em suas entranhas como mãe amorosíssima. Pelo que Santo Ambrósio
aplica à Virgem as palavras dos sagrados Cânticos: Venter tuus sicut acervus
tritici, vallatus liliis (2) — “Teu seio é como um monte de trigo,
cercado de açucenas”.
O tempo
em que Maria nos deu à luz, foi quando (vendo o amor do Eterno Pai para com os
homens, em querer seu Filho morto pela nossa salvação e o amor do Filho em
querer morrer por nós), afim de conformar-se com este amor excessivo do Pai e
do Filho para com o gênero humano, ela também consentiu com toda a sua vontade
que seu Filho morresse e fez o doloroso sacrifício d'Ele no Calvário. — E isto
quis exatamente dizer nosso Salvador, quando, antes de expirar, olhando para
sua Mãe e acenando para o discípulo predileto, lhe disse: Mulier, ecce
filius tuus (3) — “Mulher, eis aí teu filho”. Como se lhe dissesse:
Eis aí o homem que em consequência da oferta que tu fazes de minha vida pela
sua salvação, já nasce para a graça; eu te declaro sua mãe.
II.
Alegrai-vos todos os que sois filhos de Maria; e que temor tendes de vos
perder, quando esta Mãe vos defende e protege? Eis que ela nos chama e nos
convida para junto de si: Si quis est parvulus, veniat ad me (4) — “Todo
o que é pequeno, venha a mim”. — As crianças têm sempre na boca o nome da
mãe; em qualquer perigo que se vejam, logo se lhes ouve levantar a voz e dizer:
Mãe, Mãe! É isto exatamente o que a Virgem deseja de nós. Ela nos quer salvar,
como já tem salvado tantos filhos seus; por isso quer que, quais crianças,
nunca nos afastemos do seu lado e a invoquemos em todos os perigos: Todo o
que é pequeno, venha a mim.
Ó minha
Mãe Santíssima, como é possível que, tendo mãe tão santa, seja eu tão perverso;
tendo mãe tão abrasada no amor de Deus, tenha eu de amar as criaturas; tendo
mãe tão rica de virtudes, seja eu tão pobre? Ó Mãe amabilíssima, não mereço
mais, é verdade, ser vosso filho; indigníssimo de tal me fiz por minha vida
desregrada. Basta-me ser admitido no número de vossos servos. Sim, isto me
basta; entretanto não me proibais de vos chamar também minha Mãe.
O vosso
nome de Mãe me consola, enternece o meu coração, e me recorda a obrigação que
tenho de vos amar. Este nome me inspira grande confiança em vós. Quando a
lembrança dos meus pecados e da justiça divina me enchem de terror, sinto-me
todo confortado ao pensar que sois minha Mãe. Permiti, pois, que vos diga:
Minha Mãe, minha Mãe amabilíssima! Assim vos chamo e vos quero sempre chamar.
Depois de Deus, vós deveis ser sempre minha esperança, meu refúgio e meu amor,
enquanto estiver neste vale de lágrimas. Assim é que espero morrer, entregando,
ao dar o último suspiro, a minha alma entre vossas mãos benditas, e
dizendo-vos: Ó minha Mãe, ó Maria, minha Mãe, ajudai-me, tende compaixão de
mim! (*I 17.)
----------
1. Is 9, 6.
2. Cant 7, 2.
3. Io. 19, 26.
4. Prov 9, 4.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do
Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de
Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia,
1921, p. 265-267.)
FONTE: São Pio V
Nenhum comentário:
Postar um comentário