O Marido
Os seus deveres
Primeiramente, deve usá-lo: é a
condição para que a união persevere; e não é inútil lembrá-lo, porque há
maridos que o não empregam; abdicam; é mais cômodo. Esquecem que o exercício da
autoridade não é só um direito, mas um dever, de que lhes serão pedidas contas.
Alguns, é por fraqueza; é
preciso muito trabalho, não têm coragem. - Outros, é por incapacidade; não
sabem, e com receio de não acertarem, nada fazem. - Outros, é por
indiferentismo; que lhes importa? as coisas irão aonde têm de chegar. - Outros,
é por orgulho desdém; está abaixo do homem o ocupar-se com uma mulher, a não
ser para gozá-la ou torná-la sua serventuária. Estes formam partido aparte. -
Outros enfim, é por egoísmo: é bastante o pensarem em si, em seus negócios,
prazeres, (quando não é, ah! em suas paixões) ia a dizer na continuação das
afeições de sua mocidade, nas suas desordens de maridos libertinos, ou em seus
vícios de velhos.
Os maridos que abdicam, e
quebram a unidade da família e o objeto do contrato, arrebatando eles mesmos a
sua coroa, cometem todos em sua multidão banal uma injustiça comum; fazem
geralmente uma ideia muito clara dos deveres que o matrimônio impõe a sua
mulher, e uma ideia muito vaga dos deveres que impõe a eles mesmos. Acrescentar
às delícias habituais de sua vida, um acessório agradável na pessoa de uma
mulher honesta e graciosa, atenta em poupar-lhes os pequenos cuidados da vida
material, tornando o seu lar sempre alegre e duradouro, fazendo dele um abrigo
sempre pronto para as horas de fadiga ou aborrecimento, é todo o seu sonho.
Que tenham a responsabilidade da
alma, que uma grande parte da educação intelectual, moral e religiosa de sua
mulher lhes incumbe, não parecem duvidar.
É, entretanto, o seu papel, o
seu dever exercerem a autoridade e empregarem a sua influência na família para
o primeiro e o maior de todos os bens, o de sua mulher.
A mulher tem essencialmente
necessidade de ser dirigida; e quase sempre, sobretudo, a mulher francesa, o
deseja e é própria para recebê-lo.
Deseja-o. Quantas vezes ouvimos
as moças dizerem: "Quero um marido que me seja superior, e que me
guie." Uma superioridade que lhes inspire confiança e sobre a qual se
apoiem, é o seu desejo mais sincero.
É também a sua necessidade. Uma
moça pouco sabe. Por mais cuidados que tenham tido na sua educação e instrução,
tanto uma como outra, ainda não estão completas.
Além disso, viveu muito
recatada; vai ser lançada de repente, noutra posição; é impossível que se torne
assim uma mulher perfeita: tem necessidade de uma direção. E é muito apta para
recebê-la. A maioria das mulheres seriam o que seus maridos desejassem, se eles se dessem ao trabalho de
prepará-las. Mesmo que até então tenha havido educação fútil, gosto de
dissipação, vaidade, há raramente frivolidade incurável. Toda a mulher, ainda jovem,
tem em si um grande fundo de abnegação e dedicação, que a doce autoridade do
primeiro amor é onipotente para desenvolver. É o marido que deve modelar a sua
vontade, formar segundo os seus desejos, elevar à dignidade dos seus
sentimentos e pensamentos, esse jovem coração e esse jovem espírito que só
deseja agradar-lhe. Ele deve acrescentar aos laços que unem o esposo à esposa,
os que unem o discípulo ao seu mestre, ao seu guia, ao seu amigo. Há, aí, um
papel muito digno de tentar os que desejam atingir, pela virtude, a felicidade
verdadeira.
É o aperfeiçoamento da esposa, é
a união cristã, a edificação dos filhos, é todo o bem da família.
O marido deve empregar a
autoridade; é a sua função, é o seu papel.
Mas é um papel que se deve
desempenhar na ordem, e para os fins do matrimônio; e há poucos maridos que
saibam continuar assim a educação de sua mulher e fazer uso cristão da sua
autoridade.
A primeira qualidade da
autoridade e do poder que dela deriva, é a justiça: a autoridade do marido,
derivando da de Deus, deve-lhe ser semelhante e o seu poder deve ser conforme ao
de Deus. Quanto é triste, deplorável, e que suplício horrível, que aflição
cruel para uma mulher cristã, e meiga, o ver-se presa entre seu marido e Deus!
Ofender a Deus é-lhe impossível; ama-O acima de todas as coisas. Desagradar a
seu marido, não se pode resolver a isso; depois de Deus, ama-o mais que tudo.
Como fará? Empregará todo o seu tato, a sua delicadeza, abnegação, dedicação em
conciliar os dois deveres. Mas, enfim, se a conciliação for impossível, se a
vontade de Deus, clara e formal, se acha contra a do marido, será bem preciso
recusar; desobedecer, afligir. A harmonia da sociedade conjugal achar-se-á
momentaneamente rompida, e à custa de que sofrimento!
Falo da mulher forte,
inteiramente devotada ao seu dever e a Deus. Mas que acontecerá à mulher fraca?
O amor do marido vencerá o amor de Deus; capitulará; deixar-se-á arrastar para
o mal por aquele que devia conduzi-la ao bem, com repugnância, primeiro,
depois, talvez, com paixão, e para a perda daquele mesmo que a tal a impelira.
Quantos maridos culpados, que,
abusando do que se chama tão apropriadamente "poder incrível do
amor", não têm escrúpulo nenhum de associarem suas mulheres a todos os
seus gostos depravados, de obrigá-las a tomarem parte em todos os seus ilícitos
prazeres, irem a teatrinhos onde se dizem chistes, a ceiazinhas, depois do
baile ou do teatro, em gabinetes reservados, jogo desmedido em corridas,
partidas escandalosas, companhias suspeitas, livros e romances imorais; em
suma, que, manchando sem piedade a imaginação mais pura e o coração mais
inocente, têm por sistema que a mulher deve ser a camarada do seu marido, e
levar com ele a vida de rapaz? Sistema desmoralizador, sistema criminoso!
- Culpado é também o marido que,
embora não conduza sua mulher ao mal, não procura desviá-la dele, e que antes
se deixa seduzir por ela, como Adão por Eva; que não ousa resistir aos seus
desejos; às suas paixões, aos seus caprichos; que, pela cegueira e indulgência
do amor, não sabe prevenir, reprimir, impedir e evitar as intimidades perigosas
com os homens, com os rapazes, as senhoras, e, às vezes, com certas idosas; que
não tem força para obrigá-las a moderar o luxo, a toillete, as despesas, os
prazeres, evitar os perigos de uma vida excessivamente faustosa, frívola ou
ociosa, impedir que se exponha a uma notoriedade inconveniente; proibir as
apresentações ruidosas aqui e as clandestinas acolá;o de ir aos bailes de máscaras,
às comédias de salão, o desvairamento da mocidade, da beleza, das fatuidades, e
enfim toda esta correspondência de galantarias, verdadeiro motivo
de lautas reuniões, aonde, tanto os homens como as mulheres, procuram espontaneamente o que se chama afeto de coração, e, às vezes, o encontram sem o procurarem... ainda que o coração, geralmente, desempenhe um papel muito insignificante nestas coisas.
de lautas reuniões, aonde, tanto os homens como as mulheres, procuram espontaneamente o que se chama afeto de coração, e, às vezes, o encontram sem o procurarem... ainda que o coração, geralmente, desempenhe um papel muito insignificante nestas coisas.
Criminoso, contra o dever de
autoridade, é o marido que não sabe preservar sua mulher do mal; ele é que será
a primeira vítima do seu erro.
Criminoso é também aquele que
não quer incitá-la ao bem, destruir-lhe a frivolidade, cujo gérmen e
inclinação, se bem que em graus muito diferentes, quase todas as mulheres possuem;
incutir-lhe, pouco a pouco, experiência, seriedade, calma, ponderação e
regularidade; educar o seu espírito, a sua imaginação, o seu coração, e
fortalecer a sua vontade; semear abundantemente este terreno precioso que só
deseja produzir; verter nesta alma jovem e vigorosa tudo quanto tiver de
melhor; completar enfim e aperfeiçoar nela a semelhança divina, traçada pela
mão do Criador, e a educação que o coração de uma mãe cristã começou com toda a
ascendência do seu amor.
Tal é o dever do marido, o
exercício obrigatório da sua autoridade, que deve ser justa, isto é, segundo a
vontade de Deus.
Em segundo lugar, deve ser
digna, quero dizer, que o marido seja digno de exercê-la, que os seus exemplos
e virtudes correspondam às suas ordens. O marido que não compreender que a
palavra, sem o exemplo, é estéril; o marido que pensar que tudo lhe é permitido,
o marido libertino é indigno de ordenar; quebra por suas desordens o cetro de sua
autoridade.
É indigno de mandar o marido que
é a vergonha e a desonra de sua família; o marido que manda introduzir sua
mulher na sociedade... não ouso dizer por quem!... - O marido, cuja avareza
vergonhosa impele a expedientes, a empréstimos e a tudo o mais que daqui pode derivar;
o marido, cuja prodigalidade lhe inflige rivalidades ultrajantes: o marido que
a abandona, a despreza, mas que, por piedade, lhe envia para distraí-la, todas
as pessoas que encontra; o marido que esconde no seu interior o escândalo do
seu comportamento e assim se compensa largamente do que não faz cá fora.
O poder do marido deve apoiar-se
no são exemplo, e a sua autoridade deve ser digna. Deve ser pacífica – jugum pacis,
diz a Igreja. Pacífica, isto é, paciente para suportar, para esperar. Os maridos impetuosos, violentos, que se querem
fazer obedecer imediatamente, que querem alcançar tudo pelo arrebatamento,
fazem-se temer, mas não obedecer.
Pacífica, isto é, cheia de
doçura e atenções. Os maridos inconsiderados que não sabem cativar, nem
compreender sua mulher, que, para corrigi-la a levam pela ironia ou com
brincadeiras cruéis, esquecem por completo que um doente se exaspera
contestando a seriedade de sua doença, e que isto lhe dá a tentação de morrer.
Autoridade pacífica, isto é,
constante consigo mesmo. Os maridos inconstantes, apoquentadores e mesquinhos,
esquisitos, caprichosos, de espírito de contradição e fantásticos, fazem a
mulher perder a paciência, a não ser que tenha as virtudes de Madame Acarie,
que veio a ser, mais tarde, a bem-aventurada Maria da Encarnação, cujo marido tinha
muita razão quando dizia: "Minha mulher será seguramente uma santa, e
falar-se-á de mim no processo de canonização. Por minha parte, terei
contribuído muito para isso, pelos tormentos que forneci à sua paciência".
Autoridade pacífica, isto é,
enfim, autoridade segundo a ordem; porque a paz é a tranqüilidade da ordem;
autoridade que se exerce no seu departamento e que não saia daí para invadir
tudo. Os maridos que se entremeiem em tudo, querem fazer tudo, entrar em todos
os detalhes de casa e dos quais muito pouco compreendem, para não dizer nada, aniquilam
as suas mulheres e alteram a paz, destruindo a ordem. É preciso que a mulher tenha
a sua parte de autoridade e direção em certos detalhes de casa e educação.
Jugum pacis et dilectionis, acrescenta
a Igreja. É a última qualidade da autoridade. Deve ser cheia de ternura e de
afeição. É preciso governar com uma mão no coração, ou, se preferis, com uma
luva de veludo. Os maridos ríspidos ou desconfiados, que agem como déspotas ou
como ciumentos, com um guante ou látego na mão, têm uma autoridade que esmaga,
mas que não é respeitada.
Não deve repreender e guiar como
inimigo, nem como crítico, nem como senhor; porém como amigo; jugum pacis et
dilectionis. O marido deve ser para a mulher, como segunda consciência, ou como
outro anjo da guarda; deve ter por ela uma afeição sobrenatural e benévola.
Se este ideal vos parece
demasiadamente elevado e difícil de realizar, meus senhores, levantai os olhos
para o modelo divino; aquele que São Paulo, vos propõe, Jesus Cristo.
O que não fez Ele pela Sua Igreja?
Tornou-a santa e imaculada: não porque não haja pecadores na Igreja, mas sim
porque nela há tudo quanto é necessário para nos libertarmos do pecado e nos
elevarmos à santidade. Jesus Cristo preservou-a dos enganos até ao fim dos séculos.
Para ela, os Seus exemplos, os Seus conselhos, as Suas orações, os Seus sacrifícios,
as Suas graças e a Sua vida!
Também, que união! Que força e
santidade no laço que os une! Em Jesus Cristo e a Sua Igreja está, para sempre,
o ideal da união e dos deveres mútuos da sociedade conjugal!
(Livro O marido, o pai e o apóstolo - Escravas de Maria)
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