O Marido
Os seus deveres
Receber no sacrifício e
renunciação, como é o fim do matrimônio; dar na dedicação por uma autoridade
justa, digna, pacífica e terna, como é o seu objeto; não está acima das forças
humanas? Não; porque há um motivo todo poderoso, um móvel soberano, o amor, o
amor movido pela graça, o amor cristão.
As dificuldades da tarefa, meus
senhores, fazem com que compreendais a sua necessidade, e a loucura dos
matrimônios sem amor. Onde se achará, pois, a força para cumprir tais deveres?
Só o amor é capaz disso. Só o coração tem toda a força que exige este ato
decisivo, soberano, irrevogável, e do qual está suspenso um destino inteiro.
E que amor será preciso? Apelo
para vós, meus senhores, que tendes amado santamente, que tivestes o vosso
ideal. Amáveis, sem medida, para a terra e para o Céu, para o tempo e para a
eternidade. Amar, unicamente e para sempre, aquela que havia sabido merecer
toda a vossa estima, toda a vossa confiança, todo o vosso amor, e serdes amados
por ela unicamente e para sempre, era o vosso sonho!
O amor é eterno, ou não existe.
Mas qual é o amor que pode ser
eterno? O amor carnal não, porque dura tanto quanto o encanto que o provocou, -
uma primavera. As paixões não alimentam o amor, não; antes o profanam e matam.
Se o amor quiser viver, que se
modere e se equilibre! Saído de Deus, se quiser crescer, que sacuda a matéria e
se eleve para Deus!
O amor racional, baseado nas
qualidades do espírito, do coração, da alma, sem aliás
excluir, de modo algum, os
encantos físicos, pode ser durável. Mas ainda não é suficiente; é preciso subir
mais alto; é preciso chegar ao amor cristão!
O amor cristão não exclui o
precedente; pelo contrário, supõe o amor racional; completa-o, eleva-o e
excede-o, libertando-o do tempo. Não é somente a alma que ele vê através do
corpo, porém Deus na alma. É uma afeição superior, de ordem divina, tal qual a afeição
de Cristo por Sua Igreja: Viri diligite uxores vês trás, sicut Christus diley.it
Ecclesiam. Já não é uma chama terrestre: é o fogo do Céu; já não é o amor do
homem: é o próprio amor de Deus no coração do homem.
Se o marido não é cristão, não
sente a diferença, porque não pensa nisto; ou não está ao alcance de
compreendê-la, a mulher cristã sente-a e sofre cruelmente.
Não o sabeis? Não o quereis
saber; fechais os olhos para não vos incomodardes; mas não impedireis que sofra
aquela que vos ama, e que sofra tanto mais profundamente, quanto mais vos amar.
Não é razoável, nem justo. Seria
melhor pensar nisto, e vós também procurardes no sofrimento, força para
subirdes mais alto.
Só o amor cristão é
verdadeiramente eterno; o outro não reflete, ou, se reflete, é muito pouco, no
além.
Só o amor cristão é
verdadeiramente forte. Se o amor humano for feliz; se não tiver tentações
demasiadamente fortes, poderá ser feito, mas duma fidelidade de ocasião. Mas, se
a tempestade bramir, se a tentação se levantar, será arrebatado; ou, o que é
pior, não acreditará mais na fidelidade.
Mas o amor cristão tirou do
sacramento uma força que o aperfeiçoa e santifíca, e lhe dá a mais perfeita
fidelidade; a fidelidade sem mancha, a fidelidade do coração, à imagem de Jesus
Cristo para com a Sua Igreja. Está ao abrigo de todas as vicissitudes; o que
Deus uniu, nada o poderá separar: quod Deus conjunxit, homo non separei.
Não se contenta em ser eterno,
precisa crescer, porque o amor, como tudo quanto vive, tem necessidade de
desenvolver-se.
É pela paciência, humildade,
franqueza do coração, confiança absoluta, pelo hábito de se dizer tudo e de
fazer tudo em comum por uma intimidade sempre progressiva, que o amor crescerá.
Em vez de tornarem os pontos de contato tão raros quanto possível, como aqueles
que não se amando, ou suportando-se dificilmente, querem, todavia, conservar a paz,
os esposos que se amam multiplicam-nos para estreitarem mais a aliança. A diversidade
dos caracteres, a variedade dos pontos de vista, a diferença das opiniões subsistem,
e isto é mais um encanto. Só desaparece a diversidade dos sentimentos.
Ambos desprezam tudo o que é
vil, ambos se elevam; amam tudo o que é nobre e grande. Lêem o mesmo livro,
admiram o mesmo quadro, ou a mesma paisagem; gozam do mesmo prazer ou do mesmo
repouso. Rezam juntos; preenchem os seus deveres religiosos; praticam a
caridade. Praticam junta a virtude, o bem, as boas obras. A sua vida
intelectual, moral, religiosa é realmente uma só vida; sempre os mesmos
interesses de espírito, de alma e de coração.
O seu lar não é só a sua casa,
levam-no consigo como um altar doméstico. Está em toda a parte onde estão
juntos; está em seu coração, em toda a parte onde confundem, numa intimidade
sempre crescente, os seus pensamentos, as suas impressões, os seus entusiasmos,
as suas crenças, os seus esforços, as suas virtudes, a sua caridade!
Este hábito de intimidade em
trocas mútuas e constantes de sacrifícios e dedicação, por motivos
sobrenaturais e santos, é tão poderoso para aumentar o amor, que até pode
criá-lo entre dois seres que sentem estima e confiança um pelo outro, sem,
todavia, ainda se amarem na verdadeira acepção da palavra. Não é esta a
história de Paulina? No começo, ama a Polyeucte, por dever de esposa, como o
desposara por dever de filha. A sua vontade aí está, o seu coração ainda não; e
a perturbação que lhe causa a volta de Severo, a sua repugnância em servir
"um vencedor tão poderoso", a coragem com que exige dele a promessa
de que nunca mais a tornará a ver, provam, suficientemente, para que lado se deixaria
arrastar o seu coração, se a razão e a virtude não o desviassem dessa tendência.
No fim, toda a sua alma, toda a sua ternura pertencem àquele a quem chama, daí
por diante, o seu Polyeucte: o coração e a razão harmonizaram-se num amor que
ela criou pela força da virtude.
Quando o coração e a razão são
assim unidos; quando o amor é sobrenatural e cristão, os anos podem vir,
pode-se envelhecer que o coração não envelhece. O amor eleva-se, apura-se e a
gente aproxima-se por uma ascensão lenta, dessa maneira de amar, que é a do
Céu.
Se o vácuo se faz à roda dos
esposos; se a morte os fere, se lhes aparecem provações, mais se unem pelo amor
que se fortifica na repetição mútua das tocantes palavras de Andrômaca a
Heitor: "Tu és, agora, o meu venerado pai e a minha venerada mãe; tu és os
meus irmãos; tu és o meu esposo muito amado".
A morte pode chegar; será uma
dor viva e amarga, mas não os desunirá; após alguns momentos, a reunião
far-se-á em Deus, e, em lugar do tempo terão, para se amarem, a eternidade.
Tal é o amor cristão no
matrimônio. E verdadeiramente o amor de Cristo e da Sua Igreja, amor
todo-poderoso, amor santo, sem mácula, indissolúvel, amor para a terra e o Céu,
para o tempo e para a eternidade.
(Livro O marido, o pai e o
apóstolo - Escravas de Maria)
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