Heu mihi,
quia incolatus meus prolongatus est – “Ai de mim, que o meu desterro se prolongou”
(Ps. 119, 5).
I. As
almas que neste mundo não amam senão a Deus, são como que umas nobres peregrinas,
destinadas, pelo seu estado, a serem as esposas eternas do Rei do céu; mas que
vivem longe d'Ele sem O poderem ver. Pelo que suspiram incessantemente por irem
à pátria bem-aventurada onde sabem que o Esposo as espera.
Sabem que
o objeto do seu amor lhes está sempre presente; mas está como escondido atrás
de um reposteiro e não se deixa ver. Está, para dizer melhor, como muitas vezes
o sol entre as nuvens, donde de tempo a tempo faz luzir um raio de seu
esplendor, mas sem se deixar ver a descoberto. – Aquelas esposas amadas têm os
olhos vendados, de sorte que não podem ver o seu amado. Vivem, todavia,
contentes, conformando-se com a vontade do Senhor, que as quer deixar no exílio
e longe de si; mas, apesar disso, não podem deixar de suspirar incessantemente
pelo desejo de O conhecerem face a face, afim de se abrasarem mais de amor e O
amarem com mais ardor.
Por isso,
cada uma delas vai freqüente mas docemente queixar-se ao dileto, porque se não
deixa ver, e diz: O amor único do meu coração, já que me amais tanto e me
feristes com o vosso santo amor, porque é que Vos escondeis e não Vos deixais
ver? Sei que sois uma beleza infinita; amo-Vos, mais que a mim mesma, ainda que
não Vos tenha visto; descobri-me a vossa face formosa; quero conhecer-Vos a descoberto,
afim de não olhar mais nem para mim mesma nem para outras criaturas, e não
pensar mais senão em Vos amar, meu Bem supremo: Ai de mim, porque se
prolongou o meu desterro!
II.
Quando as almas, assim abrasadas no amor divino, vêm brilhar algum raio da
bondade de Deus ou do amor que Deus lhes tem, quereriam liquefazer-se e
consumir-se pelo amor. Contudo, para elas o sol está ainda coberto pelas
nuvens, a face formosa de Deus está ainda oculta atrás da cortina e as almas
têm os olhos ainda vendados o que as impede de O contemplarem face a face –
Qual não será então a sua alegria quando se tirar a venda e se mostrar sem véu
a face formosa do Esposo, de sorte que possam contemplar na mais clara luz a
sua formosura, a sua bondade, a sua grandeza e o amor que lhes tem?
Ó morte,
porque é que tanto tardas a vir? Enquanto não vieres, não posso ir ver a meu
Deus. Tu me deves abrir a porta, afim de que possa entrar no palácio do meu
Senhor. Ó pátria ditosa, quando chegará o dia em que me verei nos teus eternos tabernáculos!
Ó amor da minha alma, meu Jesus, meu tesouro, meu tudo, quando chegará o
momento feliz em que, deixando a terra, me verei todo unido a Vós!
Ó Senhor,
não sou digno de tão grande ventura; mas o amor que me tendes dispensado e mais
ainda vossa bondade infinita me faz esperar que um dia serei associado àquelas
almas felizes, que, inteiramente unidas a Vós, Vos amam e Vos amarão com
perfeito amor, durante toda a eternidade. Meu Jesus, vedes a alternativa em que
me acho, ou estar sempre unido convosco, ou estar para sempre longe de Vós:
tende piedade de mim; vosso sangue é minha esperança. A vossa intercessão, ó
minha Mãe Maria, é meu conforto e minha alegria. (II 287.)
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do
Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de
Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia,
1921, p. 240-242.)
Fonte: São Pio V
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