terça-feira, 23 de julho de 2013

Sobre as tentações duradouras e importunas; e sobre as que produzem impressão nos sentidos.




Capitulo V

SOBRE AS TENTAÇÕES DURADOURAS E IMPORTUNAS; E SOBRE AS QUE PRODUZEM IMPRESSÃO NOS SENTIDOS.

Mais comumente a tentação não cede assim tão facilmente o lugar: ataca com constância, com viveza. Se dá alguma trégua, logo volta à carga. E, como ela agita o espírito e o coração, uma alma timorata teme sempre que seja um pecado esse sentimento que ela experimenta tão repetidas vezes, e que tão frequentemente ela reencontra no seu coração quando entra nele. Esse temor torna esse sentimento ainda mais vivo: a agitação em que ela está, a inutilidade dos esforços que emprega para afastá-la do seu coração, lançam-se num abatimento ainda mais perigoso do que a tentação, porque lhe tira ás forças de que ela precisa para resistir.

A conduta que se manteve no tempo em que a tentação durou pode servir para decidir se se tem alguma coisa a se censurar. Primeiro, para não se deixar dominar por esses temores tão perigosos e tão mal fundados, é preciso voltar ao principio deles. O sentimento que se experimenta na tentação não é o consentimento livre. É um engodo do inimigo que o solicita. Ele mostra o objeto à mente: é o pensamento. Fá-lo degustar pelo coração: é o sentimento que se segue naturalmente da representação do objeto. Esse sentimento pode ser mais ou menos vivo, conforme a compleição da pessoa e a impressão que o objeto produz nela. Tudo isso, independente da vontade, precede o consentimento.



Para este consentimento, é preciso que a vontade adira deliberadamente a esse sentimento; que o aprove; que se lhe apegue; que se compraza nele. Uma ideia pode estar na mente; um sentimento no coração, sem que a vontade o adote. Assim resistimos aos bons sentimentos, como aos maus. O mal como o bem não consiste, pois, nesse primeiro pensamento, nesse primeiro sentimento, que não fazem senão propor à vontade o objeto bom ou mau moralmente: consiste na escolha que a vontade faz dele, apegando-se-lhe.

Portanto, se no tempo da tentação uma alma teve o cuidado de recorrer a Deus para obter as graças de que há mister; se renunciou a esse sentimento contrário à virtude; se o desaprovou; se teve afastamento, horror de tudo o que a tentação lhe propunha; ·se procurou distrair-se dela, fixando a mente em outros objetos honestos e úteis: então, embora não possa responder a si mesma, com inteira certeza, pela sua fidelidade em todos os instantes, pode julgar prudentemente que tudo o que experimentou, por mais violento e de qualquer duração que tenha sido, não passou de simples tentação, e que não houve nisso nenhuma culpa.

Deus não permite que a alma experimente tentações acima das suas forças; assegura-no-lo o Espirito Santo (2 Tim 2, 5). Ele nunca falta à alma que faz tudo o que depende de si para evitar o pecado. É certo que, na conduta que segue pondo em obra os meios que a Religião e a experiência fornecem, ela não tem de se exprobrar o haver descurado de si. Deve, pois, esperar que Deus, que pela sua misericórdia a sustentou na fidelidade em empregar os meios, tê-la-á preservado de toda queda, consoante as suas promessas. Esta razão deve fazer cessar todos os temores inquietos que podem sobrevir quando Deus faz suceder a calmaria à tempestade.

Pode a tentação ser bastante forte para produzir impressões molestas nos sentidos. Não devem elas, porém, perturbar uma alma que as experimenta. O que dissemos dos sentimentos deve ser aplicado às sensações. As impressões sensíveis não dependem da vontade: esta não tem o poder de detê-las e de fazê-las findar; ela não é, pois, culpada nem do começo nem da duração delas. Não pode haver falta, nessa ocasião, senão quando a alma as aprova e se compraz nelas. Enquanto as considera efeito da tentação que ela combate, que ela detesta, não toma nelas nenhuma complacência; não faz, portanto, nenhum mal. Essas impressões, tomamo-las mais fortes se lhes damos demasiada atenção, e se fazemos inúteis esforços para destruí-las. Já que elas não são pecados, não nos devemos afligir com elas. Toda atenção deve convergir para afastar da mente e do coração a tentação que lhes é a fonte, e para recusar a esta o consentimento que ela pede.


(Livro Tratado das Tentações – PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)

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