CAPÍTULO V
SOBRE AS TENTAÇÕES CURTAS E
PASSAGEIRAS
Geralmente, as tentações são
percebidas apenas começam, ou logo depois, e podem agir diferentemente. As vezes
são pensamentos, sentimentos, que se apresentam subitamente e que não fazem
mais do que passar. Então, muitas vezes fica-se embaraçado para discernir se
foi uma simples tentação ou um pecado. Embora nos tenhamos desviado dela,
estamos em dificuldade para julgar se nesse curto intervalo de tempo fizemos
isso bastante cedo para prevenir o consentimento.
Nesta circunstância, podemo-nos
decidir com base nos nossos próprios sentimentos e no nosso procedimento comum.
Uma pessoa que estima, que ama, que pratica com vigilância as virtudes contra
as quais teve essas tentações; que, pela disposição habitual do seu coração,
está afastada de toda falta voluntária contra essas mesmas virtudes; que, nas
ocasiões em que teve tentações mais seguidas nesse gênero, combateu para não
sucumbir, pode prudentemente julgar que essas idéias, esses sentimentos
passageiros não são falta, porém inicialmente tentações, e que a desaprovação que
as fez desaparecer se antecipou ao consentimento.
A razão disso é que, quando uma
alma age contra os sentimentos que ordinariamente segue e contra o hábito que contraiu,
faz a si uma espécie de violência da qual não é fácil deixar de se dar conta. Se,
na disposição em que a suponho, ela tivesse dado algum consentimento à tentação,
não o ignoraria, não duvidaria disso: a impressão, embora passageira, ter-se-ia
feito sentir o bastante para se fazer notar. Devemo-nos, pois, tranquilizar
nessas ocasiões pelo simples fato de não estarmos seguros de haver consentido na
tentação. Então a dúvida é uma certeza: se se houvesse realmente consentido, não
se duvidaria.
No caso dessas idéias passageiras,
todos os que dão às almas tentadas regras de conduta convêm unanimemente em que
se devem desprezar essas espécies de tentações; e que se lhes deve dar o menos de
atenção possível. A razão que eles dão disto é fundada na experiência. Esta nos
ensina que, se as desprezamos, se as deixamos passar, ocupando-nos de outras
coisas, elas voltam mais raramente, ou mesmo não voltam mais; que, ao contrário,
se com elas nos chocamos de frente, se lhes damos uma atenção séria por exames inquietos,
mormente se o temor as acompanha, elas tinham passado e as tornamos a chamar,
detêmo-las, damos-lhe uma nova força pelo estágio que elas fazem na alma.
Aquilo que não passava de uma sombra que se desvanecia num instante, de um relâmpago
que desaparecia num momento, pelo desprezo que dele se fazia, toma consistência
pela atenção que se lhe dá, torna-se um fogo que aumenta pela
reflexão. E então é um inimigo
que teve tempo de se fortificar, que se encarniça no combate, e que põe a alma
em perigo.
Dá-se com a tentação o que se dá
com um inimigo tímido: por assim dizer, ele se ensaia com o seu adversário; se
encontra contemporizações tímidas ou um temor pusilânime, aproveita-se da fraqueza
que ele lhe mostra, ataca com força, obriga o adversário a receber a lei.
Cumpre, pois, deixar cair todas essas idéias sem evocá-las, e dar toda a sua
aplicação a ocupar-se com objetos úteis. Se, quando essas tentações passageiras
se apresentam, simplesmente volvermos o nosso coração para Deus por um sentimento
de piedade e sobretudo de amor, não receberemos dano algum.
(Livro Tratado das Tentações –
PADRE MICHEL da Companhia de Jesus)
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