CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPÍTULO III
COMO CORRESPONDER À VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do
Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
2.º Separar-vos do mundo.
70. — Para evitar a morte do
pecado, o melhor modo é subtrair-vos ao perigo. Ora, o grande perigo para as
almas, é o contacto do mundo. «O mundo está inteiramente mergulhado no mal»: o
ar que se respira nele é um veneno para a alma. Suas máximas alteram o espírito,
seus exemplos corrompem o coração. Quantas vezes não se ouvem moços a dizerem:
«Em tal cidade, parece que se respira o mal.»
Mas o mundo, este mundo
amaldiçoado pelo Salvador, felizmente não está por toda a parte. Mesmo antes de
entrar numa comunidade religiosa, podeis viver longe do mundo, preservar-vos da
atmosfera pestilencial que suas emanações impuras criam. O mundo de que é
preciso fugir, consiste nos companheiros perigosos, nas festas e nos prazeres
mundanos, nas vaidades e bens da terra.
Pois que já vos separastes do
mundo e vos dedicastes a Deus em vosso coração, é justo que o mostreis exteriormente
por vosso procedimento. Se o público notar vossa resolução de ser religioso,
entenderá facilmente que tenhais uma vida retirada, que eviteis as
frequentações suspeitas, que não assistais às festas, aos espetáculos, etc.,
onde os mundanos se divertem e muitas vezes se perdem, que eviteis de atrair os
olhares pela ostentação, a vaidade ou o desejo de agradar...
Entretanto não ficareis isolado.
Encontrareis uma sociedade, sem perigo para vossa alma, nas pessoas religiosas
que visitareis com assiduidade, nos atos de zelo a que vos entregareis com
atividade, na convivência de Jesus Eucarístico que visitareis muitas vezes no
seu templo. Não conhecereis, em vossa cidade, outras ruas que as que vão da
casa paterna para a igreja, para vossa família religiosa ou para vossa escola.
O jovem aspirante ao sacerdócio frequenta o clero; aquele que deseja ser
religioso procura a companhia dos que hão de ser seus irmãos em breve. Para
todos a casa paterna é um lugar bom; salvo raras exceções, os meninos
conservam-se virtuosos na sociedade do pai e da mãe, ao contacto dos irmãos e
das irmãs.
3. ° Abandonar a família.
71. — A própria família, por
mais religiosa que seja, há de ser abandonada. Nada é doloroso como partir os
vínculos, ao mesmo tempo suaves e fortes, que nos prendem aos pais. Entretanto,
por mais funda que venha a ser a ferida, cedo ou tarde, será preciso sofrê-la.
Em que idade se deve deixar a
família? Como realizar esta separação?
Em geral, é melhor abandonar a
família cedo, logo que for conhecida a vocação. Com efeito, se o contágio do
mundo prova algumas vocações, com grande facilidade também arruína e destrói
bom número de outras. Ainda mais, a vocação religiosa exige longa formação,
muitas vezes estudos demorados, que não são possíveis senão para espíritos
ainda tenros e maleáveis. Por exemplo, um aspirante ao sacerdócio entra no
seminário menor antes dos quatorze anos. Os Irmãos educadores instituíram
também juvenatos ou noviciados menores onde os meninos entram muito cedo, desde
a primeira comunhão; ali, a vocação deles está mais abrigada do que em qualquer
outro lugar. Em certas comunidades de religiosas existem igualmente juvenatos onde
donzelas piedosas se preparam de longe à profissão religiosa.
Na idade de doze para treze
anos, um menino inteligente já sabe o que quer ser: não é possível
surpreender-lhe a ingenuidade convidando-o a entrar em um seminário menor ou um
juvenato. Aliás, um erro, se existisse, seria fácil a emendar. O menino sem
vocação se aborrece a tal ponto no meio da austeridade dos noviciados, que não
pode aguentar-lhes as práticas; as portas estão bastante abertas para que torne
a tomar a liberdade. Longe de conservá-lo à viva força, os superiores antes
precisam insistir para pô-lo de novo no seu caminho e enviá-lo outra vez para o
mundo.
72. — Mas, muitas vezes, a
família se ergue como uma barreira entre o menino e o noviciado religioso. Em
alguns casos um menino é indispensável à família para ajudar o pai nos
trabalhos diários, ou à mãe em casa, para tomar conta de irmãos menores, para
aliviar pais enfermos; são necessidades providenciais às quais não é bom
subtrair-se; porque tais deveres constituem uma vocação cuja nobreza não é
menor que a do religioso hospitaleiro ou da irmã de caridade. Quando um menino
vem a ser livre por causa da situação da família, então siga ele seus atrativos
para a vida religiosa: nada pode ser melhor; mas enquanto a piedade filial exigir
que um menino se dedique em favor dos pais, saiba ele que seu convento é o lar
doméstico.
Em outros casos um menino
permanece em casa porque a família quer provar a vocação dele, porque os pais
se opõem a esta vocação. É então que este menino deve usar de grande prudência
e afetuosíssima delicadeza, para obter suavemente o consenso e a bênção de que
precisa. Deverá rezar muito, porque Deus segura todos os corações em sua mão e
pode dirigi-los para onde quiser.
Deverá levar no mundo uma vida
tão religiosa, tão retirada, tão austera, que os pais tenham plena certeza de
que a coragem não lhe faltará para suportar os rigores da vida de comunidade.
Enfim, por meio de certos atos mais carinhosos e casos múltiplos de piedade
mais filial, deverá mostrar que o amor da família não é apagado pela vocação, e
que, afinal de contas, um filho pertence tanto mais à família quanto mais
perfeitamente se consagrar a Deus. Certos meninos são admiráveis nos meios que
seu zelo juvenil inventa para ganhar o coração dos pais em favor de sua
vocação.
73. — Cedo ou tarde, tereis o
consenso de vossa família. Será o momento favorável para sair. Neste instante
dolorosíssimo à natureza, usareis de procedimento mais delicado para suavizar a
pena dos pais. Dois sentimentos então vos serão necessários. O primeiro será o
de um vivo e sincero afeto por eles; vejam bem eles que os amais, que o
sacrifício vos rasga o próprio coração, que precisais de toda a irresistível
força de um apelo divino para vos resolver à separação. O segundo sentimento
será o de uma grande firmeza de resolução: não hesiteis, não cedais, não
tenhais dúvidas por causa de saudades; parecer inquieto a respeito de vosso
futuro, inconsolável por causa dos sacrifícios, seria despedaçar o coração de
vossos pais; porque, na dor que os crucia, têm eles um lenitivo quando podem
dizer: «Ao menos, nosso menino será feliz, pois que mostra tanta coragem para
ir aonde Deus o chama.»
Uma vez todos os liames rompidos
um depois de outro, cantareis como David: «Senhor, quebrastes meus grilhões;
oferecer-vos-ei o sacrifício de minha gratidão e abençoarei vosso santo nome.»
Fonte: A Grande Guerra
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