CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPÍTULO II
ESTUDO DA VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do
Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
Sinais de vocação
'' É uma regra geral que ninguém deve entrar em uma carreira para a qual não tem gosto; sem atrativo, sem aptidões, sem amor pelo estado que escolher, o homem não pode deixar de sofrer e ter mau êxito''.
'' É uma regra geral que ninguém deve entrar em uma carreira para a qual não tem gosto; sem atrativo, sem aptidões, sem amor pelo estado que escolher, o homem não pode deixar de sofrer e ter mau êxito''.
45. — Deus marca as almas que
escolheu para Seu serviço. Ao diretor espiritual encarregado de dar uma
decisão, não faz nenhuma revelação direta: manda-lhe apenas que examine a alma
que o interroga e veja se possui o sinal divino. Daí resulta para vós, jovem
amigo, a necessidade de revelar inteiramente vosso coração e pôr vosso diretor
espiritual a par de tudo quanto se passa em vós. Para vos facilitar aquele trabalho,
vou percorrer convosco os mais ordinários sinais de vocação. O atrativo.
46. — Frequentemente um sinal de
vocação é o atrativo. Por atrativo entende-se uma inclinação do coração que
dirige a alma para uma profissão de preferência a qualquer outra. O atrativo
faz convergir todos os pensamentos, todos os sentimentos, todos os esforços,
para um fim determinado. O objeto que vos ocupa o espírito, que colocais em
primeiro lugar em vossa estima, que preferis a todos os outros, que desejais
mais ardentemente, é o objeto de vosso atrativo. Por exemplo, o moço que tem
atrativo para a vida militar, não sonha senão em manobras de soldados e divisas
de oficiais; dirige todos os estudos a fim de ter bom êxito na carreira que
deseja tomar.
É uma regra geral que ninguém
deve entrar em uma carreira para a qual não tem gosto; sem atrativo, sem
aptidões, sem amor pelo estado que escolher, o homem não pode deixar de sofrer
e ter mau êxito.
Mas quando se trata do estado
religioso, o atrativo é mais indispensável do que para qualquer situação no
mundo. Começar um ofício sem gosto, é sempre coisa deplorável: ligar-se pelos
votos de religião sem um gosto muito pronunciado para este estado, seria uma
irreparável desgraça. Se houver uma vocação em que tenhais direito à liberdade,
em que devais seguir a inclinação de vosso coração, em que não possais
experimentar nenhum constrangimento, é certamente a vocação religiosa.
Que pena não teríeis um dia, no
momento em que sentiríeis pesar-vos nos ombros o jugo de um dever austero, se
não podíeis dizer então: «Este peso, eu mesmo o tomei, eu o quis; ninguém me
violentou para impô-lo a mim: tomei-o porquê o amava; hoje, embora seja pesado,
amo-o ainda e quero carregá-lo com valentia.»
Entretanto nem todos os
atrativos são uma prova que Deus nos chama. Certos atrativos são o resultado do
gênio ou de influências exteriores. Para que um atrativo venha de Deus e não da
natureza, deve ser preciso, constante, provado, desinteressado, suave e forte
ao mesmo tempo.
47. — Um atrativo é preciso
quando se refere a um objeto perfeitamente determinado. Um sentimentalismo
vago, que produzisse na imaginação certos estados quiméricos que se apagassem
com a reflexão, não seria verdadeiro atrativo. Se Deus vos chama, há de
dizer-vos claramente, no fundo do coração, o que quer de vós, porque vos quer,
para que obras quer empregar-vos, no sacerdócio, no ensino, ou nas obras de
caridade. Os desejos, que nasceram na oração e no recolhimento, persistem até
no meio dos negócios práticos: uma visão nítida não se dissipa entre as
realidades da vida.
Mas sozinho não podeis julgar
deste caráter de vosso atrativo. Nos primeiros momentos, uma vocação não se
mostra muito clara, nem precisa nas suas linhas principais; nem tão pouco a
vida se desenrola numa profética aparição, até os detalhes mais ínfimos; enfim
certos espíritos, de caráter sempre indeciso, são incapazes de exprimir com
precisão o objeto de seus desejos. Por isso é que o Diretor espiritual é o
único juiz competente que possa revelar-vos claramente o estado de vossa alma.
48. — Para ser constante, o
atrativo deve ser um movimento ininterrupto do coração para seu objeto. Fracos
e vagos no começo, os desejos vão crescendo, formulam-se com uma clareza cada
vez maior, tomam posse da alma com um império cada vez mais irresistível. Como
uma semente imperceptível no princípio, a vocação cresce pouco a pouco; acaba
por tornar-se como uma poderosa árvore, que absorve toda a seiva da alma e
abafa qualquer planta que queira germinar na vizinhança. Se vosso coração
oscila como o pêndulo de um relógio, indo da direita para a esquerda, variando
constantemente de direção, não se fixando em nenhum equilíbrio, acreditai bem
que não é o Espírito de Deus que vos dirige; a ação d’Ele seria contínua; não
cessaria de dirigir-vos, a despeito das perturbações causadas por vossa
natureza, na direção do polo para o qual vos atrai.
Todavia, lembrai-vos de que um
coração de menino está sempre mais ou menos solicitado por múltiplos
atrativos. É inevitável que não tenhais horas de hesitação. Enquanto os magos
iam procurando o Messias, a estrela que os guiava, desapareceu por algum tempo.
Preparai-vos para suportar os eclipses da luz divina. Sobretudo quando por
acaso cometerdes algumas culpas, frequentardes companhias perigosas, fizerdes
leituras suspeitas, lembrai-vos de que vossas vistas intelectuais hão de
turvar-se e não verão mais o astro que ainda está brilhando, contudo. Quando,
nas horas de arrependimento, de oração e de reflexão, os desejos nascerem de
novo, persuadi-vos bem que no fundo de vosso coração o atrativo permaneceu
muito constante.
49. — Esta constância é tanto
mais segura quanto mais provado for o atrativo. Um atrativo superficial, uma
aparência de atrativo pode permanecer por muito tempo em uma alma que nada
perturba: tais são os atrativos que se esvaecem na primeira dificuldade. Quando
uma árvore resistiu por muitos anos aos ímpetos do furacão, julgais que tem
profundas raízes no chão. Do mesmo modo um atrativo é poderoso, muito arraigado
em um coração, quando triunfou de todas as tempestades. Tivestes que vencer a
oposição da família? tivestes que lutar, para salvaguardar a virtude, contra os
perigos das más frequentações? Conservastes, apesar dos sorrisos e das palavras
de mofa dos colegas, vosso desejo de vida religiosa? Depois de ouvir dizer que
vossos projetos eram insensatos, irrealizáveis, que exigiriam muito
sacrifícios..., tendes esperado na Providência e conservado vossas aspirações?
Quanto mais fortes forem os assaltos de que triunfastes, tanto mais seguro
deveis estar que a mão de Deus vos sustentava a coragem e lutava a vosso lado.
50. — O sinal por excelência do
atrativo divino, é a idéia sobrenatural. Quereis ser padre, quereis ser
religioso? Para que isso? Alguém perguntava um dia a um menino de treze anos,
porque desejava ser religioso, que coisas lhe agradavam neste estado: «Oh!
respondeu ele, terei que trabalhar muito menos que meu pai.» Esta vocação toda
natural e baseada no interesse, não era um apelo de Deus e não podia ter bom
êxito; o menino não tinha intenção reta.
Duas coisas, nos religiosos e
nos padres, agradam a certos meninos: a honra que os cerca e a felicidade
material de que parecem gozar. Será para comer numa boa mesa, não vos calejar
as mãos como os operários ou os camponeses, não sofrer os incômodos de uma
situação a arranjar, que estais ambicionando o estado religioso? Será para
gozar do respeito de todos, ocupar lugares de honra, trajar ornamentos de
brilhantes cores, que desejais entrar no sacerdócio? Neste caso, acreditai bem
que não é Deus que vos chama, porque falta-vos a intenção reta.
No menino que Deus chama, a
piedade e a dedicação ditam todos os sentimentos. O sacerdócio e o estado
religioso aparecem como meios de viver na intimidade de Deus, agradar-Lhe, não
ofendê-lO, promover-Lhe a glória, trabalhar para a salvação das almas, servir utilmente
a Igreja.
Este menino é animado de
intenções retas.
De vez em quando, alguns motivos
humanos se misturam também com estes fins sobrenaturais. Fica reservado ao
vosso diretor espiritual o discernimento da natureza íntima de vossas
aspirações; ele só pode dizer-vos se as preocupações humanas estão na raiz ou
simplesmente na superfície de vossos desejos.
51. — Enfim, o sopro de Deus é,
ao mesmo tempo, suave e forte, nunca violento. Por ser suave, não perturba, vai
progredindo, não se irrita diante das dificuldades, mostra-se paciente com os
obstáculos momentâneos, inspira a coragem de esperar. Por ser forte, não cede
nem às ameaças nem aos atrativos contrários; uma vez que orientou um coração
para um lado, não o abandona. Exclui qualquer mal-estar, qualquer precipitação.
O que vem da natureza, de ordinário, é instável e precipitado: o que vem de
Deus é perseverante e moderado.
Fonte: A Grande Guerra
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