IMITAÇÃO
DE CRISTO – TOMAS DE KEMPIS
LIVRO
QUARTO
CAPÍTULO
22
Da
recordação dos inumeráveis benefícios de Deus
1. A alma: Abri, Senhor, meu
coração à vossa lei, e ensinai-me o caminho de vossos preceitos. Fazei-me
compreender a vossa vontade, e com grande reverência e diligente consideração
rememorar os vossos benefícios, gerais ou particulares, para assim render-vos
por eles as devidas graças. Bem sei e confesso que nem pelo menor benefício vos
posso render condignos louvores e agradecimentos. Eu me reconheço inferior a
todos os bens que me destes, e quando considero vossa majestade, abate-se meu
espírito com o peso de vossa grandeza.
2. Tudo o que temos, na alma e
no corpo, todos os bens que possuímos, internos e externos, naturais e
sobrenaturais, todos são benefícios vossos, e outras tantas provas de vossa
bondade, liberalidade e muníficência, que de vós todos os bens recebemos. E
ainda que este receba mais e outros menos, tudo é vosso, e sem vós ninguém pode
alcançar a menor coisa. E aquele que recebeu mais não pode gloriar-se de seu
merecimento, nem elevar-se acima dos outros, nem desprezar o menor; porque só é
maior e melhor aquele que menos atribui a si, e é mais humilde e fervoroso em
vos agradecer. E quem se considera mais vil e se julga o mais indigno de todos
é o mais apto para receber maiores dons.
3. O que, porém, recebeu menos
não deve afligir-se, nem queixar-se, nem ter inveja do mais rico; olhará, ao
contrário, para vós, e louvará vossa bondade, que tão copiosa e liberalmente
prodigalizais vossas dádivas, sem acepção de pessoas. De vós nos vêm todas as
coisas; por todas, pois, deveis ser louvado. Vós sabeis o que é conveniente dar
a cada um, e não nos pertence indagar por que este tem menos, aquele mais; só
vós podeis avaliar os merecimentos de cada um.
4. Por isso, Senhor meu Deus,
considero como grande benefício o não ter eu muitas coisas que trazem a glória
exterior e os humanos louvores. Portanto, ninguém, à vista de sua pobreza e da
vileza de sua pessoa, deve conceber, por isso, desgosto, tristeza ou desalento,
senão grande alegria e consolo, porque vós, Deus meu, escolheste por vossos
particulares e íntimos amigos os pobres, os humildes e os desprezados deste
mundo. Testemunho disto são vossos apóstolos, a quem constituístes príncipes
sobre a terra. Todavia, viveram neste mundo tão sem queixa, tão humildes e com
tanta singeleza da alma, tão sem malícia ou dolo, que se alegravam de sofrer
contumélias por vosso nome, e com grande afeto abraçavam o que o mundo
aborrece.
5. Nada, pois, deve alegrar
tanto aquele que vos ama e reconhece vossos benefícios, como ver executar-se a
seu respeito vossa vontade e o beneplácito de vossas eternas disposições. Tanto
deve com isto estar contente e satisfeito, que queira de tão boa vontade ser o
menor, como outro desejaria ser o maior; e tão sossegado e contente deve estar
no último como no primeiro lugar, tão satisfeito em ser desprezado e abatido,
sem nome nem reputação, como se fosse o mais honrado e estimado no mundo.
Porque a vossa vontade e o amor de vossa honra deve ser anteposto a tudo, e
deve consolar e agradar mais ao vosso servo, que todos os dons presentes ou
futuros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário