(Detalhe de 'O filho pródigo', Bartolomé Esteban Murillo, 1670) |
Non avertet
faciem suam a vobis, si reversi fueritis ad eum
– “Não apartará (Deus) de vós o seu rosto, se vós voltardes para ele” (2 Paral.
30, 9).
I. Os príncipes da
terra não se dignam nem sequer de olhar para os súbditos rebeldes que lhes veem
pedir perdão; mas não é assim que Deus procede para conosco: Não apartará de
vós o seu rosto, se vós voltardes para Ele. Deus não sabe desviar a sua
divina face daquele que lhe cai arrependido aos pés. Não; pois que ele mesmo o
convida com a promessa de o receber logo que venha. “Voltai para mim”,
diz o Senhor, “e Eu vos receberei” (1); “convertei-vos a mim, e Eu me
converterei a vós” (2).
Com que amor e ternura
abraça Jesus Cristo o pecador que volta para Ele! É isso exatamente o que nos
quis dar a entender pela parábola da ovelha desgarrada, que o pastor,
achando-a, põe-na aos ombros e convida os amigos a que tomem parte no seu
regozijo: Congratulamini mihi, quia inveni ovem meam, quae perierat – “Congratulai-vos
comigo porque achei a ovelha que estava perdida”. E conclui com estas
palavras: “Haverá mais júbilo no céu por um pecador que fizer penitência, do
que sobre noventa e novo justo a quem não é necessária a penitência.” (3) E São
Gregório dá a razão disso; porque os pecadores arrependidos são em geral mais
fervorosos que os próprios justos.
O Redentor demonstra
ainda mais a sua misericórdia em acolher o pecador arrependido, na parábola do
filho pródigo; onde declara que Ele próprio é esse bom pai que, ao ver voltar o
filho perdido, lhe vai ao encontro, e sem lhe dar tempo de falar, o abraça, o
beija, e ao abraçá-lo fica quase fora de si, tão viva é a consolação que sente:
Accurrens cecidit super collum eius, et osculatus est eum (4). – Numa
palavra, pelo excesso de sua misericórdia Deus chega a dizer que, quando o
pecador se arrepende, quer mesmo esquecer-se dos pecados, como se o pecador
nunca o tivesse ofendido (5). Vai mais longe ainda e diz: Venite et arguite
me; si fuerint peccata vestra ut coccinum, quasi nix dealbabuntur (6) – “Vinde
e argui-me; se os vossos pecados forem como o escarlate, eles se tornarão
brancos como a neve”. Como se dissesse: Vinde, pecadores, e se vos não
perdoar, repreendei-me e acusai-me de infidelidade. Ó excesso de bondade! Ó
misericórdia infinita!
II. O Senhor gloria-se
de usar de misericórdia e de perdoar aos pecadores: Exaltabitur parcens
vobis (7) – “Ele será exaltado perdoando-vos”. E quanto tempo demora
Deus antes de perdoar? Perdoa logo. Ó pecador, diz o profeta, não é preciso
chorares muito; à primeira lágrima o Senhor terá piedade de ti: Ad vocem
clarmoris tui, statim ut audierit, respondebit tibi (8). Deus não faz
conosco como nós fazemos com ele. Deus nos chama e nós nos fazemos de surdos.
Deus não faz assim; no mesmo instante que te arrependes e lhe pedes perdão, ele
responde e te perdoa: Statim ut audierit, respondebit tibi.
A quem é que fiz
guerra, meu Deus? A Vós, que sois tão bom, que me criastes, que morrestes por
mim e me tendes suportado com tamanha clemência depois de tantas infidelidades!
Só a consideração da paciência que tivestes comigo deveria fazer-me viver todo
abrasado em vosso amor. Depois de tantas ofensas, quem me teria aturado tanto
tempo como vós me aturastes? Ai de mim, se de hoje por diante eu Vos tornasse a
ofender e me condenasse! A lembrança das vossas misericórdias, ó meu Deus,
seria para mim um inferno mais cruel que o próprio inferno.
Não, meu Redentor, não
permitais que Vos volte de novo as costas; deixai-me antes morrer. Vejo que a
vossa misericórdia não me pode aturar mais tempo. Pesa-me, ó meu soberano Bem,
de Vos ter ofendido. Amo-Vos de todo o meu coração e resolvido estou a
consagrar-Vos todo o resto da minha vida. Ó Pai Eterno, atendei-me pelos
merecimentos de Jesus Cristo; dai-me a santa perseverança e o vosso santo amor.
Ouvi-me, meu Jesus, pelo sangue que derramastes por mim: Te ergo, quaesumus,
tuis famulis subveni, quos pretioso sanguine redemisti – “Nós Vos
suplicamos, socorrei a vossos servos, que resgatastes pelo vosso precioso
sangue. – Ó Maria, minha Mãe, deitai sobre mim o vosso olhar piedoso e
atrai-me todo para Deus. (*II
74.)
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1. Ier. 3, 1.
2. Zach. I, 3.
3. Luc. 15, 7.
4. Luc. 15, 20.
5. Ez. 18, 22.
6. Is. 1, 18.
7. Is. 30, 18.
8. Is. 30, 19.
(LIGÓRIO,
Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III:
Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano
eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia,
1922, p. 245- 248.)
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