terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Excerto do Sermão do Espírito Santo, Padre Antônio Vieira





Não há gentios no mundo que menos repugnem à doutrina da fé, e mais facilmente a aceitem e recebam, que os brasis [...]. Essa mesma facilidade com que crêem faz que o seu crer, em certo modo, seja como o não crer. Outros gentios são incrédulos até; os brasis, ainda depois de crer, são incrédulos. Em outros gentios a incredulidade é incredulidade, e a fé é fé; nos brasis a mesma fé ou é, ou parece incredulidade.

[...] Por que vos parece que passou São Tomé tão brevemente pelo Brasil, sendo uma região tão dilatada e umas terras tão vastas? É que receberam os naturais a fé que o santo lhes pregou com tanta facilidade e tão sem resistência nem impedimento, que não foi necessário gastar mais tempo com ele. Mas tanto que o santo apóstolo pôs os pés no mar – que este, dizem, foi o caminho por onde passou à Índia – tanto que o santo apóstolo – digamo-lo assim – virou as costas, no mesmo ponto se esqueceram os brasis de tudo quanto lhes tinha ensinado, e começaram a descrer ou a não fazer caso de quanto tinham crido, que é gênero de incredulidade mais irracional, que se nunca creram.

[...] Os que andastes pelo mundo, e entrastes em casas de prazer de príncipes, veríeis naqueles quadros e naquelas ruas dos jardins dois gêneros de estátuas muito diferentes, umas de mármore, outras de murta. A estátua de mármore custa muito a fazer, pela dureza e resistência da matéria; mas, depois de feita uma vez, não é necessário que lhe ponham mais a mão: sempre conserva e sustenta a mesma figura; a estátua de murta é mais fácil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos, mas é necessário andar sempre reformando e trabalhando nela, para que se conserve. Se deixa o jardineiro de assistir, em quatro dias sai um ramo que lhe atravessa os olhos, sai outro que lhe descompõe as orelhas, saem dois que de cindo dedos lhe fazem sete, e o que pouco antes era homem, já é uma confusão de verde de murtas. Eis aqui a diferença que há entre umas nações e outras na doutrina da fé.

Há umas nações naturalmente duras, tenazes e constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados; resistem com as armas, duvidam com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas, uma vez rendido, uma vez que receberam a fé, ficam nela firmes e constantes, como estátuas de mármore: não é necessário trabalhar mais com elas. Há outras nações, pelo contrário – e estas são as do Brasil -, que recebem tudo o que lhes ensinam, com grande docilidade e facilidade, sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas são as estátuas de murta que, em levantando a mão e a tesoura o jardineiro, logo perdem a nova figura, e tornam à bruteza antiga e natural, e a ser mato como dantes eram.

[Padre Vieira, excerto do Sermão do Espírito Santo (c. 1640)]

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