sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

III - A malícia do orgulho




Para bem se julgar desta malícia, pode-se considerar o orgulho em si mesmo ou nos seus efeitos.

            832. 1.º - Em si mesmo: 
                  
 A) O orgulho propriamente dito, o que consciente e voluntariamente usurpa, ainda mesmo implicitamente, os direitos de Deus, é pecado grave, o mais grave até dos pecados, diz Santo Tomás, porque não se quer submeter ao supremo domínio de Deus. 
            
a) Assim, querer ser independente, recusar obediência a Deus ou aos Seus representantes legítimos em matéria grave, é pecado mortal, porque é revoltar-se contra Deus, nosso legítimo soberano.
                
 b) É falta grave também atribuir-se a si mesmo o que vem manifestamente de Deus, sobretudo os dons da graça, porque é negar implicitamente que Deus seja o primeiro princípio de todo o bem que há em nós. Muitos contudo o fazem, dizendo, por exemplo: eu sou filho das minhas obras.
                
c) Peca ainda gravemente quem quer operar para si, com exclusão de Deus, porque isso equivale a negar-Lhe o direito de ser nosso último fim.

            833. 
B) O orgulho atenuado que, conquanto reconheça a Deus como primeiro princípio e último fim, Lhe não dá tudo o que Lhe é devido, antes Lhe rouba implicitamente uma parte da Sua glória, é falta venial bem caracterizada. Tal é o caso dos que se gloriam das suas boas qualidades e virtudes, como se estivessem persuadidos que tudo isso lhes pertence como próprio; ou então o dos que são presunçosos, vaidosos, ambiciosos, sem contudo fazerem nada que seja contrário a uma lei divina ou humana em matéria grave. Podem contudo estes pecados degenerar em mortais, impelindo-nos a atos gravemente repreensíveis. Assim a vaidade, que em si não passa de falta venial, torna-se grave, quando leva a contrair dívidas que se não poderão pagar, ou a excitar-nos outros amor desordenado. É preciso, pois, examinar também o orgulho nos seus resultados.

            834. 2.º- Em seus efeitos: 
                     
A) O orgulho que se não reprime chega por vezes a efeitos desastrosos. Quantas guerras não foram ateadas pelo orgulho dos governantes e às vezes dos mesmos povos? Sem ir tão longe, quantas divisões nas famílias, quantos ódios entre particulares se devem atribuir a este vício? Os Santos Padres ensinam com razão que ele é a raiz de todos os outros vícios, e que ademais corrompe muitos atos virtuosos, porque nos leva a praticá-los com intenção egoísta.

            835. 
B) Encarando esses efeitos pelo lado da perfeição, que é o que nos interessa, pode-se dizer que o orgulho é o seu maior inimigo, porque produz em nossa alma uma lastimosa esterilidade e é fonte de numerosos pecados.
           
 a) Priva-nos, efetivamente, de muitas graças e merecimentos: 
           
1) De muitas graças, porque Deus, que dá com liberalidade a Sua graça aos humildes, recusa-a aos soberbos: Deus superbis resistit, humilibus autem dat gratiam[1]. Pesemos bem estas palavras, Deus resiste aos soberbos, porque diz M. Olier[2], como o soberbo ataca diretamente e aborrece a soberania divina, Deus lhe resiste às pretensões insolentes e horríveis “e, como se quer conservar no que é, abate e destrói o que se ele contra Si”.
                
2) De muitos merecimentos: uma das condições essenciais do mérito é a pureza de intenção; ora o orgulhoso opera para si, ou para agradar aos homens, em lugar de trabalhar para Deus e assim merece a censura dirigida aos Fariseus, que faziam as suas boas com ostentação, para serem vistos dos homens, e, por esta razão, não podiam esperar recompensa de Deus “alioquin mercedem non habebitis apud Patrem vestrum qui in caelis est ... amen, amen, dico vobis, receperunt mercedem suam”.[3]

            
836. b) É, além disso, fonte de numerosas faltas: 
        
1) faltas pessoais: por presunção, expõe-se um ao perigo em que sucumbe: por orgulho, não quer ceder instantemente as graças de que precisa, e cai; depois vem o desalento correndo até perigo de dissimular os pecados na confissão;
          
  2) faltas contra o próximo: por orgulho, não se quer ceder, ate mesmo quando se não tem razão, empregam-se a picuinhas mordazes na conversação, travam-se discussões ásperas e violentas que acarretam dissensões e discórdias; daí, palavras amargas, injustas até, contra os rivais, para os abater, críticas acerbas contra os superiores, recusa de obedecer às suas ordens.

            
837. c) É, enfim, uma causa de infelicidade para quem cede habitualmente ao orgulho: como o orgulhoso quer ser grande em tudo e dominar os seus semelhantes, para ele deixa de haver mais paz e repouso. E na verdade, como por um lado não pode sossegar, enquanto não consegue triunfar de seus rivais, e por outro jamais o consegue completamente, vive perturbado, agitado, infeliz. Importa, pois buscar remédio para este vício tão perigoso.




[1] Tg., 4,6.
[2] Introduction, ch. VI. I. re Sect.
[3] Mt., 6,12.







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