Há
muitas batalhas dentro de nós: a carne contra o espírito, o espírito contra a
carne. Se, na luta, são os desejos da carne que prevalecem, o espírito
será vergonhosamente rebaixado de sua dignidade própria e isto será uma
grande infelicidade, de rei que deveria ser, torna-se escravo.
Se, ao contrário, o espírito se submete ao seu Senhor, põe sua alegria
naquilo que vem do céu, despreza os atrativos das volúpias terrestres e impede
o pecado de reinar sobre o seu corpo mortal, a razão manterá o cetro que lhe é
devido de pleno direito, nenhuma ilusão dos maus espíritos poderá derrubar seus
muros; porque o homem só tem paz verdadeira e a verdadeira liberdade
quando a carne é regida pelo espírito, seu juiz, e o espírito governado por
Deus, seu Mestre.
É, sem dúvida, uma preparação que deve ser feita em todos os tempos: impedir,
por uma vigilância constante, a aproximação dos espertíssimos inimigos. Mas é
preciso aperfeiçoar essa vigilância com ainda mais cuidado, e organizá-la com
maior zelo, nesta época do ano, quando nossos pérfidos inimigos redobram
também a astúcia de suas manobras.
Eles sabem muito bem que esses são os dias da santa Quaresma e que passamos a
Quaresma castigando todas as molezas, apagando todas as negligências do
passado; usam então de todo o poder de sua malícia para induzir em alguma
impureza aqueles que querem celebrar a santa Páscoa do Senhor; mudar para
ocasião de pecado o que deveria ser uma fonte de perdão.
Meus
caros irmãos, entramos na Quaresma, isto é, em uma fidelidade maior ao serviço
do Senhor. É como se entrássemos em um combate de santidade.
Então preparemos nossas almas para o combate das tentações e saibamos que
quanto mais zelosos formos por nossa salvação, mais violentamente seremos
atacados por nossos adversários. Mas Aquele que habita em nós é mais forte do
que aquele que está contra nós. Nossa força vem d’Aquele em quem pomos nossa
confiança.
Pois se o Senhor se deixou tentar pelo tentador foi para que tivéssemos, com a
força de seu socorro, o ensinamento de seu exemplo. Acabaste de ouvi-Lo. Ele
venceu seu adversário com as palavras da lei, não pelo poder de sua força: a
honra devida a sua humanidade será maior, maior também a punição de seu
adversário se Ele triunfa sobre o inimigo do gênero humano não como Deus,
mas como homem.
Assim, Ele combateu para que combatêssemos como Ele; Ele venceu para que também
nós vencêssemos da mesma forma. Pois, meus caríssimos irmãos, não há atos
de virtude sem a experiência das tentações, a fé sem a provação, o combate sem
um inimigo, a vitória sem uma batalha.
A
vida se passa nomeio das emboscadas, no meio dos combates. Se não quisermos ser
surpreendidos, é preciso vigiar; se quisermos vencer, é
preciso lutar. Eis porque Salomão, que era sábio, diz: Meu filho,
quando entras para o serviço do Senhor, prepara a tua alma para a tentação (Eclo.
2,1).
Cheio
da sabedoria de Deus, sabia que não há fervor sem combate laborioso; prevendo o
perigo desses combates, anunciou-os de antemão para que, advertidos dos ataques
do tentador, estivéssemos preparados para aparar seus golpes.
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